quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Batalhas pela memória

Israelenses estão com um problema de relações públicas.

Você, leitor, já ouviu falar nas Vésperas Efésias? Em 88 a.C., o imperador Mitrídates 6º, do Ponto, ordenou o assassinato de cidadãos romanos e aliados que viviam em cidades da Ásia Menor. Nem mulheres e crianças teriam sido poupadas. Estima-se que entre 80 mil e 150 mil morreram.

Imagino que esse massacre, um dos muitos da história, não o comova muito. Ele ocorreu há mais de 2.000 anos e, por alguma razão, descontamos o passado. Somos quase imunes às carnificinas muito antigas, nos importamos moderadamente com hemoclismos recentes e reagimos com vívida emoção aos massacres presentes. Está na programação de nossas mentes, ainda que a diferença temporal seja difícil de explicar filosoficamente. Por que a morte de uma pessoa há 2.000 anos valeria menos que a de uma morta há 80 anos?
O problema de Israel é que o tempo está passando. Foi sob o impacto do Holocausto nazista que a ONU aprovou, em 1947, o plano de partilha da Palestina que viabilizou o Estado judeu. Mas a memória viva do Holocausto, que ainda chegou à minha geração através das histórias de meus avós e tios-avós, vai aos poucos se apagando. Os registros históricos sempre podem ser consultados, mas o aspecto afetivo desaparece. Reportagem recente do New York Times mostra que é crescente o número de jovens judeus americanos que se identificam com a causa palestina.

Faz sentido. As histórias de injustiças cometidas contra palestinos estão ocorrendo ao vivo e numa era de hiperconexão. E quanto mais mortos as operações militares israelenses deixarem em Gaza, mais esse efeito se materializará. Ainda que não haja paralelo entre o que fizeram os nazistas e o que fazem os israelenses, civis palestinos estão morrendo aos borbotões.

Que a carnificina em Gaza sirva ao menos para viabilizar o Estado palestino. Sem ele, Israel jamais encontrará uma paz sustentável.

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