sábado, 11 de novembro de 2023

A hipocrisia da linguagem: o que é terrorismo?

As palavras também podem matar como armas. Elas estão fazendo isso neste momento das duas guerras que assustam o mundo e fazem correr rios de sangue. Basta olhar as notícias para compreender que, por exemplo, a palavra terrorismo acumula vítimas mortais.

Sob o toldo do terrorismo, esconde-se a vingança e infiltram-se interesses puramente políticos. Não é necessário recorrer aos dicionários para saber que o termo terrorismo evoca agora e sempre medo, pânico, horror, vingança, morte, dor e injustiça.

Se fosse feito um estudo sobre as palavras que estão sendo usadas em todo o mundo devido, por exemplo, à guerra em Israel, veríamos que o terrorismo domina a língua.


A palavra terrorismo não necessita de exegese excessiva. Até as crianças sabem o que é e por vezes são as maiores vítimas, como está a acontecer no Oriente Médio.

Aqui no Brasil, o governo progressista de Lula e principalmente os líderes de seu partido, o PT, sofrem com a discussão se o Hamas é ou não um grupo terrorista ou simplesmente de libertação.

Lula tem usado a desculpa de não admitir que o Hamas é terrorista porque a ONU também não o considera porque o Hamas foi eleito nas urnas. É novamente a ambiguidade da linguagem. Negar, a esta hora, depois de tanto sangue derramado de ambos os lados, que o terrorismo invadiu o conflito entre Israel e a Palestina, é infantil.

Neste momento o governo brasileiro ainda luta para libertar 30 dos seus cidadãos que não podem sair de Gaza e especula-se que seja a vingança de Israel pela ambiguidade em não considerar o Hamas como terrorista.

Mais uma vez a linguagem ao serviço da violência e da morte. E neste momento e depois do horror que o mundo inteiro vê nesta guerra, pouco importa se o sangue derramado, a dor acumulada, as crianças e mulheres sacrificadas e o peso da vingança atávica são chamados de uma forma ou de outra. Nada pior e mais perigoso do que a hipocrisia.

O que o mundo precisa é que acabe esta guerra, o que esperamos que aconteça o mais rapidamente possível; que volte o espírito da razão para poder chamar as coisas pelo seu nome próprio e que a luz da paz reemerja para ambos os povos em eterno conflito, sem que nenhum deles tente eliminar o outro.

A ideia, por exemplo, que sempre falhou, de que Israel e Palestina podem coexistir em paz, como dois povos que, em suma, têm as mesmas raízes históricas, de alguma forma até o mesmo Deus a adorar, pode parecer banal ou ingênua. E para que esta utopia se torne realidade é necessário começar a rever a linguagem até agora utilizada que evoca apenas dor, morte e vingança.

Se política e democracia são palavras que devem evocar tempos de paz e harmonia entre os diferentes, é necessário que sejam novamente espanadas à luz do sol, sem serem distorcidas.

Se pode parecer difícil definir qual violência é terrorista e qual é libertadora, até que ponto pode ir a legítima defesa e a sede de vingança, é fácil compreender o que cada um de nós carrega gravado na pele e que evoca a sede de paz, de felicidade, de harmonia, de diálogo, de culturas reunidas que nos enriquecem.

É lamentável o fato de neste momento palavras malditas como genocídio e holocausto, ou o apelido de ratos para definir os judeus, serem mais uma vez ouvidas e defendidas na boca de alguns políticos de extrema direita, mesmo aqui no Brasil

Não se trata de pessimismo ou otimismo. Estão em jogo valores fundamentais que, se forem quebrados, poderá arrastar-nos para o pessimismo daqueles que continuam a pensar que os tempos passados foram melhores.

Hoje, figuras que um dia pegaram em armas em movimentos revolucionários de várias cores e que foram descritos como terroristas estão a entrar na política e a abraçar os valores da democracia. Nem sempre é fácil para eles.

A ascensão no mundo da extrema direita golpista e nostálgica das antigas ditaduras ressuscita mais uma vez a linguagem do terror, do medo, da vingança e da literatura da morte contra a vida. Talvez não seja precisamente com a nova onda de extremismo fascista e mesmo com conotações nazistas que as velhas guerras que pareciam apenas um pesadelo do passado tenham rebentado novamente.

Vemos que a linguagem e a força que ela implica podem ser objeto de paz ou de guerra nas palavras de ordem dos novos e obscuros líderes populistas que começam a emergir juntamente com os novos conflitos armados.

Palavras de dicionário que pareciam ter sido abandonadas com a chegada das democracias e dos valores libertários, como ditadura, tortura, genocídio, guerra, censura e até holocausto, começam a levantar a cabeça, ameaçando nos devolver a tempos que pensávamos derrotados.

Daí a importância que atinge hoje a liturgia do voto nas urnas. Não é mais simplesmente um jogo ou esporte democrático. É um novo imperativo, o último refúgio que temos contra o perigo de que os velhos demônios do terror possam ressuscitar.

Talvez, como aqui no Brasil, a guerra contra as urnas e contra o voto livre estivesse prestes a devolver o país aos tempos de terror fascista.

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