Nunca hei-de entender por que raio temos de defender trincheiras independentemente dos actos praticados em cada uma delas. Note-se: isto nada tem a ver com ser indeciso. Está escrito no livro do Apocalipse: “Conheço as tuas obras e sei que não és frio, nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas como és morno e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da Minha boca.” Quem é morno; quem não toma posição; quem não é carne, nem peixe; é vomitado – e logo da boca de Deus. Porquê? Porque não se compromete com nada. Porque se refugia numa posição defensiva, que, em última análise, revela medo, cobardia ou falta de carácter.
Aquilo a que me refiro não é isso. Não é indiferença ou torpor, mas a consciência de que há temas que não têm apenas uma solução, e há outros que não têm solução alguma. Trata-se de não ficar satisfeito com perguntas de branco ou preto para respostas de sim ou não. É verdade que há um momento em que é imprescindível saltar para a trincheira – mas aí estamos em guerra, quando escolher um lado é uma estratégia de sobrevivência. A democracia é o contrário disso. É a possibilidade de não termos de tomar lado, até porque raramente está em jogo algo de essencial.
O problema dos debates políticos e culturais que dominam os nossos dias é essa alergia à complexidade. O facto de haver comunidades desintegradas em França pode ter um duplo responsável: o Estado francês e as próprias comunidades. O sucesso académico da minoria asiática nos Estados Unidos obriga a perguntas difíceis sobre a minoria afro-americana, porque o rasto da escravatura não explica só por si o número de famílias desestruturadas e monoparentais. Estes são os debates que devíamos conseguir fazer. Não é racismo. Não é xenofobia. É apenas respeito pelo emaranhado do mundo.
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