‘Em nome do pai, dos filhos, dos espíritos e dos santos, amém’ é o enredo de 2023 da Gaviões da Fiel. As alas da escola reunirão na avenida espíritas, evangélicos, católicos e seguidores do candomblé e da umbanda. Contra a intolerância religiosa, a alegria da música e a irreverência carnavalesca.
No ano passado, a mesma Gaviões desfilou sob o tema “Basta!”, em referência direta aos desmandos na saúde, educação e política esperneados por aquele ex-líder da extrema direita. Dizia a letra do samba: A democracia alienada e a ditadura disfarçada/basta de hipocrisia/é hora da luta sair do papel.
E, logo depois das eleições presidenciais, a torcida da Gaviões protagonizou a mais linda reação aos golpistas, quando, a caminho do Rio, em razão de um jogo contra o Flamengo, rompeu os bloqueios dos caminhoneiros em avenidas de São Paulo. Os bolsonaristas em fuga ainda puderam ver pelo retrovisor, no alto de um viaduto, a faixa estendida pela torcida corintiana: “Somos pela Democracia”.
O samba pela concórdia religiosa chega à avenida depois da prisão de alguns pastores golpistas. Não apenas postaram a catilinária habitual contra as urnas eletrônicas, como invadiram os palácios no 8 de janeiro. Ancorados no dízimo arrecadado — aquele que não paga imposto —, ajudaram a destruir o patrimônio público.
Não é de hoje, sempre existiram maus religiosos disfarçados em nome da fé. Ainda sob tal escudo, perpetraram muitos crimes. Na eleição passada, o discurso de campanha escondeu a incompetência na gestão da pandemia — quase 700 mil vítimas — para vociferar o discurso fundamentalista de algumas denominações evangélicas contra religiões afro. A começar pela célebre ex-primeira dama Michelle Bolsonaro. Tudo depois ecoado por parlamentares tuiteiros de cabelo pintado.
O número de golpistas presos, tamanha a barbárie da tentativa de golpe, deixou em segundo plano a prisão e a conspiração urdida por pastores evangélicos, sob inspiração do capitão e de seus militares de pijama (nem todos). Sob o governo bolsonarista, os religiosos conservadores sentiram-se confortáveis na sedição contra a democracia, como na propagação de suas aversões. Releram a Bíblia de acordo com seus interesses financeiros e políticos. Com sucesso, incentivaram ataques aos terreiros de religiões afro e a seus seguidores.
Logo depois da tentativa de golpe do 8 de janeiro, ao postarem opiniões e vídeos para caracterizar como manifestações democráticas o que foi um ataque ao resultado das eleições, praticaram outras ações criminosas. Protegidos pelo lero-lero da liberdade de expressão, buscam destruir o Estado Democrático e difundir entre a população narrativas escusas sempre pintadas pelo verniz da fé.
Durante a pandemia, em lugar de pedir compras rápidas de vacinas ou de respiradores, para proteger seu rebanho, revelaram seus interesses ao lutar para que seus templos não ficassem fechados. Afinal, o dízimo on-line não se mostrava tão eficiente como a coleta presencial.
O Brasil de 2023 precisa não apenas discutir o papel dos militares na sociedade, sem medo de golpe ou de quarteladas, como deveria enfrentar a sedição empreendida pelos pastores de extrema direita. Por décadas, o catolicismo conservador se viu confrontado por reações de quem não comungava com atrasos civilizatórios — como a luta contra o divórcio ou a pílula anticoncepcional. Eram duros debates, porém não se colocava, tal como posto agora por setores evangélicos, preconceito religioso. Tratava-se de rejeitar a proverbial catequização, em nome da fé, de igualar a todos sob as mesmas crenças.
É ainda o caso de usar a liberdade de opinião para discursar malquerenças dentro dos templos contra os gays. Embora a homofobia seja considerada crime pela Constituição, os pastores brigam para mostrar seus púlpitos como espaços livres da lei geral. Assim, pela enviesada fé, a recorrência no preconceito.
A França, de maneira mais grave, enfrenta há alguns anos o que se avizinha no Brasil. Os imãs brigam para impor preconceitos e costumes estranhos à sociedade francesa. Também querem espaços onde valham seus preceitos islâmicos fundamentalistas — quase sempre contrários à secular tolerância legal religiosa do país, num evidente caráter de retrocesso civilizatório. Lá, como aqui, a extrema direita se esconde atrás das liberdades civis para exterminar conquistas como… a liberdade de opinião. Isso não é um samba.
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