A forma a que me refiro é uma encarnação do mesmo populismo de extrema-direita que acompanhamos de perto há vários anos, porque está destruindo as coisas há algum tempo. Esse populismo curiosamente flerta com o fascismo, ou pelo menos bebe do fascismo como forma de entender o mundo. Você já sabe: o elogio da violência, o populismo com conteúdo racista, a invenção de um inimigo do povo, tudo filtrado por um ultranacionalismo acessível a qualquer um. Dicionário fascismo, em outras palavras. Uso a palavra com plena consciência: sei bem que se usa demais e para tudo, às vezes por leveza, às vezes por frivolidade e às vezes por ignorância. E isso é negativo: se for usado de forma descuidada, como fazem tantos políticos colombianos, a linguagem perde seu valor e não serve mais para nomear coisas quando realmente precisamos. Como precisamos falar de Trump, o líder messiânico de uma gangue de paranóicos violentos –extremistas, neonazistas, supremacistas brancos– que agora invadem as casas de políticos dispostos a matar com golpes de martelo; como precisamos, sim, falar de Bolsonaro, cuja forma de entender o mundo é militarista ao ponto da caricatura.
O que não impede, aliás, que levem muito a sério. Nas bandeiras de seus seguidores ele sai fazendo a saudação militar, e é de se perguntar por que isso parece aceitável mesmo para cidadãos que não sentem, como Bolsonaro, nostalgia pelos líderes militares do golpe do século passado. Mas é do conhecimento público que foi um soldado medíocre e que deixou o exército pela porta dos fundos, julgado por indisciplina e acusado de arquitetar planos para desestabilizar o quartel. Talvez seja daí que vem o que vem agora: ele não seria o primeiro a tentar lavar o sentimento de fracasso com o que os psicólogos chamam de supercompensação (mas não tenho certeza de que Bolsonaro tenha lido Alfred Adler). As atitudes do homem despertam a nostalgia de homens fracos (aqueles que sentem necessidade de tirar fotos fetichistas com seus fuzis, por exemplo). De qualquer forma, tudo isso é uma questão de nichos: nada explica adequadamente por que 49% do país votou nele. O que acontece depois?
De maneiras que talvez não sejam óbvias, mas que estão se infiltrando, Bolsonaro colocou boa parte de seus eleitores em autodefesa. Ele é, sempre foi, um agitador social, um hábil manipulador do ressentimento e do ódio, e esse aspecto não é diferente: liberou o porte de armas; suas redes sociais elogiam os armados. Esse é o mundo selvagem em que Bolsonaro se move, temperado com o medo dos cidadãos em cidades que estão entre as mais inseguras do continente, e seu talento tem sido transmitir aos eleitores a convicção de que estão ameaçados. Nada poderia ser mais fácil nestes tempos, em que a política não vem mais de cima, por assim dizer, mas circula entre nós, se faz entre nós (com as mentiras que compartilhamos, com as mensagens que circulamos, com a facilidade assustadora com isso desejamos a destruição ou extermínio do outro). Tudo isso foi explorado por Bolsonaro. Ironicamente, a ameaça mais real que o Brasil experimentou durante seu mandato, a do novo coronavírus, foi desprezada e negligenciada – vai passar, disse Bolsonaro, como uma gravidez de mulher – e o resultado foram milhares de vítimas que poderiam ter sido salvas.
Sua capacidade de dividir e confrontar, de cultivar provocações e agressões verbais, encontrou terreno fértil em nossas guerras culturais. A esquerda, ateus, minorias sexuais: o inimigo é claro e passa pela religião, ou para convencer os fiéis de que sua fé está em perigo. Em um país conservador onde as igrejas evangélicas têm enorme influência, basta acusar o candidato de falar com o diabo para tê-lo por trás, como Bolsonaro fez com Lula. Como em casos semelhantes, quem mente primeiro e mais escandalosamente domina a conversa pública. É a grande lição, ou uma das grandes lições, que Bolsonaro aprendeu com Trump: e ele a copiou conscientemente. Não surpreende, porque Bolsonaro se olha em Trump como um espelho; são dois malandros com passados medíocres, que compartilham uma visão de mundo digna de um valentão adolescente e uma incapacidade patológica de não fazer o mal quando podem.
(Eles também são parecidos em uma outra coisa: o fracasso de sua reeleição, que é tão incomum em um país quanto em outro, e sua recusa em aceitá-la.)
Bolsonaro também copiou os caminhos e as estratégias de Trump, e isso nem é o mais grave: o mais grave é que outros possam copiá-lo. Sua derrota pode retardar ou desencorajar esse efeito mimético. Embora talvez isso seja uma ilusão. De qualquer forma, a verdade óbvia é que as duas figuras são tão parecidas quanto seus eleitores, ou uma grande parte deles. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, são cidadãos que se sentem ameaçados; tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, são cidadãos que se alimentam quase que exclusivamente nas redes sociais; tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, vivem em uma realidade que se afasta ligeiramente ou francamente da realidade verificável.
E esse talvez seja o maior dos desafios que Lula enfrenta: como governar para uma parte da cidadania que não está vendo a mesma realidade que o Governo? Ele já fez a mesma coisa que Biden fez na época: prometeu que governaria para todos, que uniria sua sociedade dividida. Estas são as palavras esperadas de um presidente, é claro. E, no entanto, assim que escrevo esta última frase, me pergunto se é verdade. Talvez não: talvez sejam as palavras que antes esperávamos dos presidentes do passado. Chamados à unidade, à harmonia, à tolerância? E então, quem vai nos ameaçar?
O que não impede, aliás, que levem muito a sério. Nas bandeiras de seus seguidores ele sai fazendo a saudação militar, e é de se perguntar por que isso parece aceitável mesmo para cidadãos que não sentem, como Bolsonaro, nostalgia pelos líderes militares do golpe do século passado. Mas é do conhecimento público que foi um soldado medíocre e que deixou o exército pela porta dos fundos, julgado por indisciplina e acusado de arquitetar planos para desestabilizar o quartel. Talvez seja daí que vem o que vem agora: ele não seria o primeiro a tentar lavar o sentimento de fracasso com o que os psicólogos chamam de supercompensação (mas não tenho certeza de que Bolsonaro tenha lido Alfred Adler). As atitudes do homem despertam a nostalgia de homens fracos (aqueles que sentem necessidade de tirar fotos fetichistas com seus fuzis, por exemplo). De qualquer forma, tudo isso é uma questão de nichos: nada explica adequadamente por que 49% do país votou nele. O que acontece depois?
De maneiras que talvez não sejam óbvias, mas que estão se infiltrando, Bolsonaro colocou boa parte de seus eleitores em autodefesa. Ele é, sempre foi, um agitador social, um hábil manipulador do ressentimento e do ódio, e esse aspecto não é diferente: liberou o porte de armas; suas redes sociais elogiam os armados. Esse é o mundo selvagem em que Bolsonaro se move, temperado com o medo dos cidadãos em cidades que estão entre as mais inseguras do continente, e seu talento tem sido transmitir aos eleitores a convicção de que estão ameaçados. Nada poderia ser mais fácil nestes tempos, em que a política não vem mais de cima, por assim dizer, mas circula entre nós, se faz entre nós (com as mentiras que compartilhamos, com as mensagens que circulamos, com a facilidade assustadora com isso desejamos a destruição ou extermínio do outro). Tudo isso foi explorado por Bolsonaro. Ironicamente, a ameaça mais real que o Brasil experimentou durante seu mandato, a do novo coronavírus, foi desprezada e negligenciada – vai passar, disse Bolsonaro, como uma gravidez de mulher – e o resultado foram milhares de vítimas que poderiam ter sido salvas.
Sua capacidade de dividir e confrontar, de cultivar provocações e agressões verbais, encontrou terreno fértil em nossas guerras culturais. A esquerda, ateus, minorias sexuais: o inimigo é claro e passa pela religião, ou para convencer os fiéis de que sua fé está em perigo. Em um país conservador onde as igrejas evangélicas têm enorme influência, basta acusar o candidato de falar com o diabo para tê-lo por trás, como Bolsonaro fez com Lula. Como em casos semelhantes, quem mente primeiro e mais escandalosamente domina a conversa pública. É a grande lição, ou uma das grandes lições, que Bolsonaro aprendeu com Trump: e ele a copiou conscientemente. Não surpreende, porque Bolsonaro se olha em Trump como um espelho; são dois malandros com passados medíocres, que compartilham uma visão de mundo digna de um valentão adolescente e uma incapacidade patológica de não fazer o mal quando podem.
(Eles também são parecidos em uma outra coisa: o fracasso de sua reeleição, que é tão incomum em um país quanto em outro, e sua recusa em aceitá-la.)
Bolsonaro também copiou os caminhos e as estratégias de Trump, e isso nem é o mais grave: o mais grave é que outros possam copiá-lo. Sua derrota pode retardar ou desencorajar esse efeito mimético. Embora talvez isso seja uma ilusão. De qualquer forma, a verdade óbvia é que as duas figuras são tão parecidas quanto seus eleitores, ou uma grande parte deles. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, são cidadãos que se sentem ameaçados; tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, são cidadãos que se alimentam quase que exclusivamente nas redes sociais; tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, vivem em uma realidade que se afasta ligeiramente ou francamente da realidade verificável.
E esse talvez seja o maior dos desafios que Lula enfrenta: como governar para uma parte da cidadania que não está vendo a mesma realidade que o Governo? Ele já fez a mesma coisa que Biden fez na época: prometeu que governaria para todos, que uniria sua sociedade dividida. Estas são as palavras esperadas de um presidente, é claro. E, no entanto, assim que escrevo esta última frase, me pergunto se é verdade. Talvez não: talvez sejam as palavras que antes esperávamos dos presidentes do passado. Chamados à unidade, à harmonia, à tolerância? E então, quem vai nos ameaçar?
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