sexta-feira, 19 de agosto de 2022

O Brasil, colônia de si mesmo

Ao completar 200 anos de idade, o Brasil ainda peleja no divã da história para se libertar de sua personalidade colonial. O volume 3 da trilogia Escravidão, transcreve trechos do abolicionista Joaquim Nabuco, que vestem perfeitamente no Brasil atual.

“Um país já velho… com paisagem marcada pelo abandono… cultiva o desprezo pelos interesses do futuro e a ambição de tirar o maior lucro imediato…, qualquer que seja o prejuízo das gerações futuras… Queimou, plantou e abandonou… não edificou escolas, não construiu pontes, nem melhorou rios… não concorreu para progresso algum na zona circunvizinha”.
(O Abolicionismo, 1883)

O que Nabuco descreve acima se aplicaria ao modelo colonial europeu em geral, como fonte inesgotável de riquezas às custas do meio ambiente e da vida de povos originários e africanos.

Contudo, não custa refletir se o Brasil não seria um projeto inacabado de República, no qual interesses políticos e econômicos irresponsáveis aliam-se, vez por outra, aos costumes arcaicos da sociedade, como se ainda fossem mercadores, apenas de passagem pela colônia.

Nesse sentido, cabe lembrar que, em pleno século XIX, quando outras colônias e monarquias tradicionais já iam longe na instalação de suas instituições democráticas, o Brasil insistia no sentido oposto.

Os Estados Unidos já eram república, a Revolução Francesa dava frutos, o Haiti fervia liderado por negros, a revolução industrial transformava as sociedades, e a escravidão era abolida mundo afora.


Enquanto isso, em 1822, o Brasil torna-se, não uma república, mas, um império na América (cujo imperador ‘independente’ era o herdeiro do trono colonizador!).

Não foi à toa que, enquanto o mundo criava tecnologias como a máquina a vapor, o telefone, a eletricidade, vacinas, e diferentes formas de democracia, o Brasil seguiu convictamente agrário e escravista.

Por isso, não surpreende que, até hoje, em plena emergência climática, o País continue na contramão, sem um plano de desenvolvimento (ou sobrevivência) que corresponda à estatura e à gravidade do desafio global.

Quando finalmente a escravidão foi abolida no Brasil, quase no séc. XX, cerca de 5 milhões de africanos (e quantidade semelhante de indígenas) haviam sido sequestrados, escravizados ou mortos (número de fazer inveja a qualquer holocausto).

A República só chegaria um ano depois, por meio de um golpe de Estado patrocinado pelos escravocratas ressentidos, que remodelaram seus negócios e suas relações de poder.

Escravidão III destaca que o conceito de República utilizado no século XIX ainda era dissociado da definição de Democracia (até então, considerada uma ideia anárquica demais).

Quem sabe, essa visão de república autocrática e positivista não persista no DNA brasileiro.

E, quem sabe, justifique, ainda hoje, o abandono da população negra ao próprio azar, o extermínio de indígenas, a devastação ambiental, a violência e os vaivéns da democracia.

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