Um povo que inscreve “em Deus confiamos” em sua moeda, meio básico de troca, revela extremado grau de etnocentrismo — chamado de patriotismo ou autoconfiança, revelador de como a ideia de Deus é tão manipulável quanto a de seus credos e crentes.
A declaração ajuda a entender a “modernidade” que tem sido imposta ao planeta pelas barbaridades do colonialismo europeu, ou pelo não menos cruel imperialismo estadunidense. Seria preciso lembrar que outras “modernidades” ou estilos de vida precederam o capitalismo e o adaptaram. E, nisso, estão com ele competindo?
Num sentido preciso, “confiar em Deus” significa que — muito embora nosso modo de viver seja uma circunstância que nos singulariza, pois no mundo existem milhares de grupos humanos hoje reduzidos (certamente mais por mal que por bem) a um conjunto de 193 países que integram a Organização das Nações Unidas — há uma enorme pressão para a uniformidade dentro do modelo ocidental, como sinônimo de modernidade e progresso.
Taiwan e Palestina (e inúmeras sociedades tribais) não têm a carteirinha de integrante da ONU porque, para tanto, é preciso seguir o cânone ocidental da propriedade de um território soberano e ter moeda. Território (propriedade) e finanças garantem um mínimo de soberania e tentam transformar a variedade das humanidades do planeta em burguesias euro-americanas.
Os “países adiantados” que tanto invejamos (ou invejávamos — a dúvida é sempre saudável) são aqueles cujos povos possuem propriedade territorial e fazem parte do teatro das moedas. É fantástico descobrir que nossa “modernidade” tolera muitas línguas, mas não admite alguns costumes. Tais rejeições formam o eixo de quanto um pretenso “universal” — que seria parte da “natureza humana” — foi construído pelo modelo ocidental. Um mundo “civilizado” para o qual tenderiam todos os sistemas humanos.
A complexa equação de “ordem e progresso” aplicada ao mundo multiplicou infinitamente “nosso” poder. A ponto de hoje termos nove potências nucleares com a capacidade de destruir, além de seus inimigos, o próprio planeta...
Ademais, o caminho do progresso estimulado por um mercado competitivo, dramatizado nas Bolsas de Valores e autorregulado estabeleceu um estilo de consumo que ao mesmo tempo nos torna senhores e escravos de uma tecnocracia. É essa confiança em Deus que, sem dúvida, faz com que o futuro (e o progresso) altamente previsíveis sejam hoje tão duvidosos.
Quando, num tom mais ou menos anedótico, falamos que um Deus totalizador do universo é brasileiro, afirmamos que Ele nasceu em nosso território; é nosso conterrâneo e, quem sabe, um parente. Em certo sentido, ultrapassamos, à brasileira, os antigos israelitas porque, afinal de contas, é melhor ser compatriota ou compadre do Criador do que ter o peso de ser “o povo eleito”.
Sabemos como o território é importante para definir nosso Brasilzão, que ultimamente virou um desconsolado, dividido e enfezado “brasilzinho”. Mas equilibramos o machismo bíblico do mito de origem dos “pais fundadores”, no caso americano, com uma Nossa Senhora Aparecida negra e pequenina, que simplesmente é a mãe de Deus...
Mitologias têm implicações. Uma delas é o aval de jamais sermos abandonados. O FMI — como a ONU ou até mesmo a democracia, essa dama que dá tanto trabalho e desmascara tanta roubalheira, desfaz tantos privilégios e prende-solta tanta gente boa — pode nos abandonar. Nós mesmos podemos nos abandonar e desonrar, e aí está a chave da depressão. Mas Deus, sendo nosso, será que ele ainda nos salva?
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