sábado, 28 de maio de 2022

Faltavam apenas as câmaras de gás

Ao longo da trajetória do Judeus pela Democracia, desde o fatídico e recorrentemente lembrado dia da palestra de Bolsonaro na Hebraica-RJ (quando estávamos do lado de fora protestando), sempre que nos manifestamos sobre a aproximação do presidente e do governo com ideologias nazifascistas, vemos reações diferentes.

Por um lado, os mais cautelosos e os apoiadores do governo nos acusam de assimetria, de estarmos fazendo comparações com o incomparável. Dizem que os horrores perpetrados por Bolsonaro não se aproximam do que os nazistas fizeram. Nos perguntam: “se Bolsonaro é nazista, onde estão as câmaras de gás?”

Por outro lado, os opositores do governo por vezes exageram nas comparações, dizendo que Bolsonaro é até pior do que Hitler. E muitas vezes arrematam: “faltam apenas as câmaras de gás”.

O que aconteceu esta semana em Sergipe, quando agentes da Polícia Rodoviária Federal mataram Genivaldo de Jesus Santos (negro, pobre e com transtornos mentais) sufocado responde, mais literalmente do que simbolicamente, as aspas acima: as câmaras de gás já se fazem presentes.

As câmaras de gás como ferramenta da indústria da morte foram implementadas pelo governo nazista alemão nos chamados Campos de Extermínio. Elas tinham o intuito de acelerar as execuções e, ao mesmo tempo, economizar recursos gastos com munição. As câmaras, que inicialmente funcionavam canalizando o escapamento de veículos para sufocar as vítimas com monóxido de carbono e depois passaram a usar um pesticida chamado “Zyklon B”, foram a causa da morte, apenas em Auschwitz, de cerca de 1 milhão de judeus, mais dezenas de milhares de ciganos e prisioneiros de guerra soviéticos. Belzec, Sobibor e Treblinka foram outros campos que também utilizaram câmaras de gás, nos quais estima-se que mais 2 milhões de judeus tenham sido mortos.


É por conta do uso de uma espécie de câmara de gás pela Polícia Rodoviária Federal, que o assassinato de Genivaldo nesta quarta-feira em Sergipe carrega um simbolismo tão forte. A tortura, o sufocamento e finalmente a execução, escancaram um discurso que o presidente incorporou desde antes de subir ao poder: a banalização da morte de alguns – daqueles que valem menos, que não se encaixam na mentalidade eugenista, seletiva e preconceituosa deste governo. Cabe lembrar que os primeiros mortos pelo regime nazista foram, precisamente, as pessoas com deficiência.

Pode-se argumentar sobre o caráter genocida intencional ou não do governo brasileiro. Mas o fato é que os nossos atuais mandatários têm simpatia pela morte, sobretudo daqueles que, na visão deles, não agregam – ou atrapalham – à sociedade.

A pandemia da Covid-19 acelerou a rotina de morte e evidenciou essa simpatia. Os membros do governo que manifestaram alguma solidariedade às vítimas foram escanteados e/ou perderam seus cargos. E, enquanto a doença matava 10, 100, 300, 600 mil brasileiros – indígenas e os mais pobres em uma proporção maior – Bolsonaro debochava da “gripezinha” e vociferava contra aqueles que tentavam de alguma forma proteger as suas populações.

Com o arrefecimento da letalidade da pandemia veio à tona uma outra ferramenta de massacre, já conhecida pelos mais pobres e mais frágeis e potencializada pelo sentimento bolsonarista: a truculência assassina da polícia.

A violência da polícia, sobretudo contra determinados grupos, não é novidade no Brasil. É comum lermos que “temos a polícia que mais mata e a que mais morre”. A prática de assassinatos injustificados e em situações mal explicadas e misteriosas sempre ocorreu. A diferença, perigosíssima, vem do discurso decorrente. E no discurso também reside o fascismo.

No último ano vimos a perpetração dos dois maiores massacres da história da polícia no Rio de Janeiro: a chacina do Jacarezinho, que matou 28 pessoas e o massacre do começo desta semana na Vila Cruzeiro, cuja contagem de corpos, até o momento, chega aos 26 (esta segunda com a participação, não apenas da Polícia Militar, mas também da Polícia Rodoviária Federal – a mesma que matou Genivaldo sufocado).

Independente do contexto, quando mais de 50 pessoas, cidadãos brasileiros, morrem pelas mãos da polícia, a utilização do termo “confronto” é inverossímil. Trata-se de massacres.

Quanto aos discursos decorrentes, eles mostram o incentivo assustador e o prazer sádico, por parte de Bolsonaro, seu governo e seus seguidores, ao que vem ocorrendo. Bolsonaro comemora, celebra a ação dos policiais, chama todos os mortos de bandidos e merecedores do destino que tiveram. Nas redes sociais os seguidores do presidente esbravejam, chamam de “defensores de bandido” aqueles que lamentam a ação policial, celebram os “CPFs cancelados”, vibram com o sangue derramado e dizem que Bolsonaro é um macho patriota limpando o país, defendendo a família e os valores de Deus. É esta a diferença. Este é o discurso que evidencia que estamos sob comando de fascistas.

O constante ufanismo, o nacionalismo falso e hipócrita, o desdém claro por direitos humanos, a idolatria aos militares – sobretudo quando eles matam – geralmente associada ao culto à masculinidade, são o fascismo. E, neste sentido, a polícia é alçada ao mesmo tempo a protagonista e a bode expiatório, sendo o músculo executor, o órgão que transforma as ideias do fascismo em ações fascistas.

A manipulação através dos grupos de Whatsapp, Telegram, Facebook convence os apoiadores, a proximidade bizarra entre o governo assassino e valores religiosos aproxima os crentes desiludidos e desavisados. Os ataques àqueles que tentam defender minorias esquecidas e o desprezo por nossos artistas e intelectuais (como fez o ex-Secretário da Cultura, Roberto Alvim, de forma explícita em sua alegoria de Goebbels com Wagner) traz regozijo, e o discurso demagógico anticorrupção, enquanto vemos evidências claras de corrupção eclodindo quase que diariamente, ilude. Isso é, na essência mais pura, o fascismo.

O intuito deste artigo não é chamar a polícia de fascista. Pelo contrário. As forças policiais e de segurança pública têm a missão de servir e proteger a população. No entanto, infelizmente, estas forças policiais são o reflexo de uma cultura que desumaniza, e hoje servem, sim, a um líder fascista. E precisam entender que estão sendo usadas por este líder para promover o genocídio do pobre, do negro, do indígena.

Temos a certeza de que tiraremos Bolsonaro do poder nas eleições de outubro. Mas, infelizmente, acabar com a ideologia fascista que ele ajudou a plantar será muito mais difícil.

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