Não é primeira vez que uma criação vocabular alemã de cunho político ganha mundo. Um exemplo é Lügenpresse: traduzível como "imprensa da mentira", é uma invectiva popular na época nazista, usada para desacreditar relatos que não se alinhem com determinada ideologia. Ela retornou em anos recentes com o partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e com os apoiadores do presidente Donald Trump nos Estados Unidos.
Quando Versteher é combinado com outro termo, em geral é para denotar uma mistura de ironia e lisonja. Por exemplo: Frauenversteher ("entendedor de mulheres") se refere a um homem que se gaba de sua profunda compreensão da psique feminina.
Da mesma forma, um Putinversteher é alguém que não esconde sua empatia com as motivações do chefe do Kremlin. O termo passou a circular em seguida à anexação da península ucraniana da Crimeia. Se a conotação já era negativa, ela se agravou seriamente desde o início da invasão russa do país vizinho, em 24 de fevereiro de 2022.
Em seguida ao lançamento da "operação militar especial" russa na Ucrânia, diversos Putinversteher – entre os quais destacados políticos e especialistas alemães – ressalvavam, por exemplo, que a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) podia ser percebida pela Rússia como uma ameaça real. Ou comparavam a invasão da Ucrânia a outras "guerras ilegais", como a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, ou demais abusos cometidos pelo Ocidente.
Isso não significa que os "entendedores de Putin" sejam a favor da atual violência: como explica o verbete da Wikipédia, trata-se de uma atitude quanto ao presidente russo e o modo como ele governa a Rússia que tende a resultar em: "Sim, mas é preciso entender a posição de Putin."
De um modo geral, é muito disseminada entre o grupo em questão a estratégia conhecida como "whataboutism": derivada da expressão "What about...?" ("Mas e...?"), esta consiste em desviar uma determinada crítica citando casos supostamente análogos.
Por exemplo: desconversar de uma acusação de corrupção pelo atual governo brasileiro com: "Tá, mas e o Lula? E o PT?" Aliás, também é comum o praticante do "whataboutism" recorrer a falsas equivalências, intencionalmente confundindo alhos com bugalhos.
Encontram-se Putinversteher ao longo de todo o espectro político da Alemanha, porém especialmente entre os partidos populistas. Porém alguns apoiadores declarados recuaram desde a guerra de agressão na Ucrânia, abstendo-se de expressar publicamente seu respaldo.
Diversas legendas de ultradireita da Europa têm mantido laços estreitos com a Rússia, nos últimos anos, do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen ao Fidesz de Viktor Orbán. O mesmo se aplica à AfD, contudo após a invasão da Ucrânia seus membros têm encontrado dificuldade de defender um posicionamento unificado.
A ex-copresidente do partido alemão A Esquerda Sahra Wagenknecht era também notória por sua disposição de justificar as ações do autocrata no Kremlin: "Talvez devamos levar a Rússia a sério e respeitar que ela tem interesses de segurança", comentou, por exemplo, num programa de televisão dias antes da invasão da Ucrânia.
Antes de merecer seu próprio verbete na Wikipédia, e mesmo da campanha militar russa contra o país vizinho, o termo já fora empregado em diversos artigos jornalísticos em língua inglesa.
Em janeiro de 2021, escrevendo para o website de análise política Riddle, especializado na Rússia, o politólogo e historiador Dmitiri Stratievski analisava Armin Laschet, então líder da União Democrata Cristã (CDU) de Angela Merkel, perguntando-se se ele devia ser considerado um "Putinversteher merkeliano", por seu apoio à dependência alemã do gás natural russo.
E já em abril de 2014, o professor de Economia Paul Gregory, da Universidade de Houston, intitulava um artigo em seu blog no site da revista Forbes "Empatia com o Diabo: como os Putinversteher da Alemanha protegem a Rússia". Seu foco era como alguns políticos de alto escalão haviam se colocado do lado do Kremlin, apesar de um mau histórico de direitos humanos e da anexação da Crimeia.
Entre essas personalidades, Gregory cita Gerhard Schröder, chanceler federal de 1998 a 2005, como "um dos Putinversteher mais descarados". Tendo sido, juntamente com Putin, o mentor do projeto do gasoduto Nord Stream durante seu mandato, ele mais tarde se tornou diretor do conselho de supervisão da estatal russa de energia Rosneft.
Considerado amigo pessoal do chefe do Kremlin, mesmo depois de este ordenar a invasão da Ucrânia, Schröder seguiu evitando qualquer comentário público que incriminasse o regime russo, ao ponto de todos os funcionários de seu escritório se demitirem.
Em meados de março, o ex-chanceler federal chegou a voar para Moscou, onde conversou pessoalmente com Putin. Contudo, à medida que atrocidades da guerra na Ucrânia vêm diariamente a público – como as notícias de execuções a sangue-frio, bombardeios a hospitais e escolas e centenas de civis em valas comuns – crescem na Alemanha os clamores para que o próprio Schröder seja alvo de sanções.
E a cada mentira, manipulação propagandística, excesso autocrático, violação dos direitos humanos e ato de violência injustifícável da personagem inspiradora do termo, os argumentos dos "entendedores de Vladimir Putin" perdem definitivamente qualquer sombra de credibilidade.
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