O que extraio de verdadeiro dessa gritaria nas ruas é uma frase que sobrevive na velhice: “O povo, unido, jamais será vencido”. Um país pode ser invadido por forças militares superiores, o governo pode ser desfeito, mas, no médio e longo prazos, essa verdade essencial acabará se impondo.
Escrevo num momento de transição. Sei que o mundo mudou e seguirá mudando. Mas a simples eclosão da guerra não consegue ofuscar, para mim, o novo relatório dos cientistas da ONU mostrando como avançam o aquecimento global e o perigo de tragédias climáticas.
Do nível nacional ao internacional, o instinto de morte parece estar numa ofensiva sem precedentes. Não pretendo abordá-lo com mais uma análise da correlação de forças, nem das negativas consequências econômicas. Essa tarefa, já a cumpri durante a semana, analisando o papel estratégico dos fertilizantes no agronegócio e, consequentemente, na economia e na segurança alimentar do Brasil.
Ao encerrar meu trabalho noturno, tenho visto uma série chamada “Mind hunters”. É a história de agentes do FBI que, no fim do século passado, percebem que os crimes não se explicam mais pelos velhos motivos: ciúmes, dívidas a cobrar. Eles se interessam por criminosos em série, cujas razões só podem ser entendidas com um mergulho nas suas mentes doentias.
Lembrei-me disso ao ler um artigo em que o autor cita o escritor alemão Hans Magnus Enzensberger, para quem, no período pós-Guerra Fria, a violência já não se explicaria mais por razões ideológicas, ela se autonomizou das clássicas justificativas.
Gosto da capacidade de previsão de Enzensberger porque, há 30 anos, li um livro dele, “Política e delito”, em que, em vários ensaios, ele mostrava como boatos foram capazes de derrubar governos. Era uma antecipação do poder corrosivo das modernas fake news.
Pode parecer audacioso dizer que a violência se libertou da justificação ideológica. Putin afirma que atacou a Ucrânia para livrá-la do nazismo. Mas como aceitar que o país seja nazista se é presidido por um judeu?
O próprio Putin parece não acreditar no seu argumento. Tanto que acrescenta uma nova acusação: nazistas e consumidores de droga.
Existe algo de patológico nos argumentos de Putin e, infelizmente, não é tão raro assim. Logo após a revolução bolchevique, Lênin defendeu que a Ucrânia fosse um país, falasse sua própria língua e ensinasse sua História nas escolas.
Para ele, que já estava um pouco doente, a Ucrânia não era uma mentira. O problema é que foi sucedido por Stálin, precisamente o comissário das nacionalidades, que queria centralizar tudo na Rússia, a despeito de sua origem georgiana.
Essa recusa à diversidade não existe apenas no stalinismo que sobrevive na cabeça de Putin. Ela é também uma presença nos argumentos da extrema direita. Guardadas as proporções, quantos não afirmam que nossas populações indígenas deveriam abrir mão de suas terras, costumes e cultura, para desaparecer no todo nacional?
Steve Bannon, um dos teóricos que influenciam a família Bolsonaro, chegou a dizer que a Rússia era digna de apoio porque o Exército americano tolera transgêneros.
Circula nas redes, a partir de Bolsonaro, um manifesto contra o Ocidente, para ele dominado pelo comunismo. Em quem se apoiar contra o comunismo europeu? Na Rússia, na China e nos países árabes.
Assim como na década de 1960 o crime passou a ser visto de uma outra maneira, talvez agora a política também só será apreendida a partir da patologia. Não há dúvida de que intelectuais alemães de Frankfurt, psicólogos como Erich Fromm, fizeram um trabalho profundo no Pós-Guerra, a partir do estudo do nazismo.
Mas tudo isso poderia ser enriquecido e atualizado num planeta que se esforça para destruir a vida humana, seja pela poluição, seja pela guerra, seja por políticas locais de armamentos e gabinetes de ódio.
Com todo o respeito pela análise política pura, talvez fosse interessante considerar a hipótese de que muitos seres humanos no topo do poder simplesmente enlouqueceram.
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