Neste ano em que o Brasil completa seu bicentenário, Darcy Ribeiro completaria 100 anos de idade. É dele a frase: “Ou nos indignamos, ou nos conformamos”. Durante nossa história, nos conformamos com a escravidão, com a corrupção, com a desigualdade, com o desflorestamento, a deseducação, com a persistência da pobreza. Nos conformamos com estas tristes características da economia e da sociedade, e não construímos um país com eficiência, justiça e sustentabilidade. Por 350 anos, a escravidão das pessoas era tão aceita que o fato não era percebido como uma anormalidade moral.
Agora, no nosso bicentenário, vemos como normal a realidade que nos transmite a televisão: lado a lado a fome que maltrata e mata 20 milhões de pessoas famintas, e notícias de que somos o celeiro do mundo, o maior exportador de alimentos; ao lado também de farta propaganda de alimentos para convencer quem já come a comer mais; e também programas de culinária,novelas e reality shows onde os personagens passam parte do tempo esbanjando comida, ao redor de mesas ou em frente de geladeiras e fogões.
Diante deste quadro, Darcy diria: “Ou nos conformamos, ou nos indignamos com a simultaneidade da fome com o excesso de comida. Aparentemente, a opção brasileira continua pelo conformismo. Salvo para grupos de pessoas de boa vontade, que as televisões também mostram, exercendo a generosidade de levar comida para alguns dos que não têm. Graças a estas pessoas e empresas que não se conformam, centenas de de pessoas recebem comida uma ou outra vez, durante um dia ou outro dia. Mas estes gestos pessoais de boa vontade que alimentam alguns não são capazes de transformar o país para que a fome não ocorra em nosso território.
No conjunto, a sociedade brasileira optou pelo conformismo, que mantém as perversidades tão toleradas que nem são percebidas como imorais. Tanto quanto a escravidão era aceita, “porque os escravos são negros”, a educação de qualidade é negada porque “a criança é pobre”, a fome ao lado da gastronomia porque “uns têm, outros não”. As pessoas se conformam com a realidade injusta moralmente, até absurda logicamente, mas real e permanente porque aceita como uma opção coletiva pelo conformismo.
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