Naquele dezembro de 1988, falou sobre tempo e vida aos formandos de Ann Arbor. Em tradução livre, o parágrafo abaixo dá o tom do que Brodsky se preocupou em dizer:
— O mundo que vocês haverão de adentrar, e em que passarão a existir, não tem boa reputação. Seu desempenho geográfico tem sido melhor que o histórico; ele continua a ser muito mais atraente visualmente que do ponto de vista social. Vocês haverão de descobrir que tampouco o mundo é um lugar propriamente acolhedor; e tenho dúvidas de que será muito melhor quando vocês o deixarem. Ainda assim, é o único disponível, não existe alternativa... Lá fora é uma selva, também um deserto, um precipício escorregadio e um atoleiro — tanto no sentido literal quanto metafórico...
Brodsky recorre a outro poeta, Robert Frost, para indicar o caminho: “The only way out, always, is through” (a única saída, sempre, é através).
É o que se está fazendo no Brasil com assombroso estoicismo desde 2019, para conseguir atravessar o atoleiro bolsonarista. Tudo em nome de uma transição razoavelmente democrática e irrefutável com o resultado das urnas em 2022. Cada nova pesquisa de opinião aponta para uma clara repulsa nacional ao estilo selvagem, destrutivo, do presidente. A saída do atoleiro, contudo, está distante. Nos dez meses que faltam até o pleito, o amontoado de energúmenos que compõem o governo Bolsonaro ainda é capaz de gerar estragos múltiplos em série. Como se vê cotidianamente no assalto ao meio ambiente ou na mineração ilegal, no combate à vacina e ao bom senso da Anvisa, ou nos ataques à cultura e à imprensa, as porteiras continuam escancaradas. A questão é saber o que restará de pé até voltarmos a ser uma sociedade com algum prumo. Convém não esperar por soluções rápidas — em matéria de “mito”, o empulhador atual superou de longe outro inquilino do Alvorada, Fernando Collor de Mello, o “caçador de marajás” dos anos 90.
Diante do bolsonarismo sem freios, semana sim outra também, o país se acostumou a viver numa corda bamba entre o cinismo e a resignação. Assim como a esperança sem pensar crítico é mera ingenuidade, o pensar crítico sem esperança acaba desembocando em cinismo — e cinismo é do que o Brasil menos precisa, pois ele leva a um dar de ombros cúmplice àquilo que se está pretensamente condenando.
Tome-se como exemplo a cena dos funcionários e executivos da Caixa Econômica Federal fazendo flexões de braço sob comando do presidente da instituição, o bolsonarista voraz Pedro Duarte Guimarães. Microfone em mãos, de pé, o chefão fez contagem regressiva até dez enquanto seus subordinados arfavam no palco, e a plateia parecia achar graça. Era uma comemoração de fim de ano, e Guimarães complementou sua porção MC pedindo aos selecionados que também tentassem fazer “estrelinha”. Houve quem tentasse. Houve quem se esborrachasse. Qual a graça? Para o presidente da Caixa, agradar ao capitão Jair Bolsonaro, que adora testar virilidades em sessões de flexões.
De resto, a cena filmada pareceu não agradar a ninguém. Ainda assim, pelo que se viu, nenhum dos protagonistas involuntários refutou a ordem — é a resignação de quem não vê saída ou teme a companhia do desemprego. Segundo reportagem de Geralda Doca e Marcello Corrêa, Pedro Guimarães é conhecido por ter afastado uma batelada inteira de funcionários que ocupavam cargos em governos anteriores.
Para empreender a tenaz travessia recomendada por Brodsky, sem cinismo, cada um precisa escolher se quer desarrumar o mundo tal qual ele está ou se prefere fingir que dele não faz parte. Já ficou claro demais que o presidente se alimenta de crises fabricadas em busca de escape das crises reais. Ao contrário do ex-secretário de Estado Henry Kissinger, a quem é atribuído o bordão “Fica proibido novo abismo — minha agenda já está lotada”, Jair Bolsonaro pretende se reeleger em meio ao pântano que criou. A ver. Como exercício futurista, vale a pena acompanhar o resultado das eleições chilenas deste domingo.
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