domingo, 19 de setembro de 2021

O paradoxo do populismo das elites

Uma das características mais intrigantes do bolsonarismo é seu apelo para os mais escolarizados. O que faria com que as elites — ou parte delas — aderissem a um movimento populista que se organiza em torno de uma retórica antielites?

Um dos traços marcantes do populismo é que encontra mais apoio entre pessoas com baixa escolaridade. É assim com os partidos populistas na Europa continental, com o apoio ao Brexit no Reino Unido e com o apoio a Donald Trump nos Estados Unidos.

Por isso chama muito a atenção o apoio que o bolsonarismo angariou nas elites educacionais e econômicas no Brasil. Logo no começo de 2018, despontou como fenômeno eleitoral puxado por jovens de alta escolaridade e alta renda. Com o avanço da campanha eleitoral, o apoio a Bolsonaro foi se disseminando de maneira mais transversal, mas nunca se concentrou de forma marcante entre os menos escolarizados.


Há indícios de que o bolsonarismo vai perdendo apoio entre as elites, mas não de que se concentre entre quem tem menos escolaridade. Quando olhamos para a demografia da mobilização de rua, esse fenômeno é bem visível.

Quando a nova direita se formou, na campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff, a escolaridade superior dos manifestantes na Avenida Paulista sempre esteve próxima a 80%. Na campanha eleitoral e no primeiro ano de governo, as manifestações de apoio a Bolsonaro tinham cerca de 65% de participantes com ensino superior. Esse índice caiu mais agora, na manifestação de 7 de Setembro, com 60% dos manifestantes com ensino superior.

Mesmo com esse percentual, o bolsonarismo de rua segue mais escolarizado que a média da população. Isso pode ser explicado pelo fato bem conhecido de que os segmentos mais escolarizados se engajam mais em protestos de rua. Mas parece ter algo a mais.

Quando olhamos para a opinião pública, e não para as ruas, a baixa escolaridade também não aparece. Segundo o Datafolha, 21% dos apoiadores de Bolsonaro têm ensino superior. Esse patamar não é elevado como no começo da campanha eleitoral de 2018, mas também não é menor que a média da população, como acontece em outros países.

Por que, no Brasil, o antielitismo tem adesão das elites? Talvez a resposta esteja na linguagem do bolsonarismo, que adota duas retóricas populistas complementares. De um lado, ataca elites culturais que controlam as instituições de reprodução de valores, como as universidades, os meios de comunicação e as artes. É o discurso do “marxismo cultural”. De outro lado, ataca a corrupção das elites políticas que ocupam posições no Estado. É o discurso anticorrupção.

Pode ser que seja essa vertente anticorrupção que mobiliza os setores mais escolarizados do bolsonarismo. Nesse caso, elites educacionais e econômicas rejeitariam as elites políticas. Pode ser ainda que essas elites educacionais bolsonaristas — que devem ser mais conservadoras — se considerem fora do lugar entre seus pares mais progressistas. Seja como for, o populismo brasileiro parece diferente de seus pares do Norte.

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