segunda-feira, 21 de junho de 2021

Muito além de 500 mil mortes

Imagine se toda a população de uma cidade como Florianópolis desaparecesse em pouco mais de um ano. Segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a capital de Santa Catarina tem 508 mil habitantes —pouco mais do que os 500 mil mortos por causa da covid-19 em todo o país em 15 meses.

O Brasil é o segundo país a ultrapassar a marca de meio milhão de mortes —os Estados Unidos alcançaram este número em fevereiro. A contagem impressiona (veja mais abaixo).

Em meio ao luto —hoje, são cerca de 2 mil mortes por dia, em média—, nosso país também enfrenta os efeitos colaterais da pandemia do coronavírus, como o aprofundamento da desigualdade social.

Nunca tantos brasileiros estiveram na extrema pobreza —de acordo com o Ministério da Cidadania, 14,5 milhões de famílias estão em situação de miséria (com renda per capita de até R$ 89 mensais). Há ainda 2,8 milhões de famílias vivendo em pobreza (com renda entre R$ 90 e R$ 178 per capita mensais).

Com 14,8 milhões de pessoas sem trabalho, a taxa de desemprego bateu recorde e os mais afetados foram os mais pobres.

Mesmo com a criação de novas vagas e com o aumento do PIB, a renda média domiciliar caiu 10%, na comparação entre os primeiros trimestres de 2021 e 2020. Foi o quarto trimestre seguido de queda.

Para o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, o começo deste ano pode ser considerado "o pior ponto da crise social".

As vítimas da covid no Brasil são, segundo a Central de Informações do Registro Civil (Arpen):

* 56% homens e 44% mulheres

* 50,3% brancos; 28,4% pardos; 6,5% pretos; 0,9% amarelos; 0,2% indígenas (e 13,7% de raça ignorada)

* 70,4 % com idade entre 60 e 90 anos; 27,9%, entre 30 e 59 anos; 1,7% com menos de 29 anos

Por causa da vacinação, algumas mudanças começaram a ocorrer nestes registros —no começo deste mês, pela primeira vez, as mortes de pessoas com menos de 60 anos por covid superaram a de idosos.

Mas a pandemia nunca atingiu da mesma forma os diferentes grupos sociais. Os primeiros casos no Brasil foram de pacientes que viajaram para o exterior. Rapidamente, a doença se espalhou também entre os mais pobres.

Em junho do ano passado, a mortalidade de internados por covid em UTIs de hospitais públicos era o dobro da registrada nas unidades privadas (38,5% contra 19,5%). Hoje, a taxa é de 53,7% nas UTIs públicas e 30,2% nas particulares. Para a sanitarista Bernadete Perez, números como esses mostram o "abismo" entre as classes sociais no que se refere ao acesso a serviços de saúde.

No dia a dia do trabalho, a vulnerabilidade das classes mais baixas também é exposta. Enquanto muitos escritórios adotaram o home office e os funcionários podem trabalhar de casa, profissionais com remuneração mais baixa, mas que exercem atividades essenciais, como motoristas de ônibus e caixas de supermercado, permaneceram trabalhando fora e não entraram nos grupos prioritários de vacinação.

A pandemia impactou as pessoas em maior situação de vulnerabilidade, como a população em situação de rua, que teve maior exposição e menor capacidade de proteção. Eles têm menor acesso à testagem, a serviços, a leitos de UTI e menor possibilidade de proteção individual e coletiva.

Bernadete Perez, sanitarista e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva

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