sábado, 5 de junho de 2021

A cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo durante a pandemia

Não entendo a obsessão dos senadores da CPI da Covid com a cloroquina. A cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo durante a pandemia. Foi uma aposta equivocada da meia dúzia de curiosos que constituíram o gabinete de crise do Idiota Supremo, mas, a rigor, não é a principal culpada pelo rumo sinistro que a pandemia tomou entre nós.

A CPI não foi instituída para determinar se a cloroquina funciona ou não funciona contra a Covid. Isso já foi estabelecido e, a essa altura, deveria ser página virada. A função da CPI seria, se bem entendi, avaliar ações e omissões do governo. A obsessão dos senadores pela cloroquina a transformou, porém, em palanque para pessoas que disfarçam o charlatanismo por trás de diplomas de medicina.

Não é à toa que que o mundo bolsonaro comemora os depoimentos de Mayra Pinheiro e Nise Yamaguchi como grandes vitórias.

É inacreditável que, em pleno ano de 2021, uma reles fórmula científica se transforme em símbolo ideológico. Nós rimos dos nossos antepassados que acreditavam no benefício das sangrias e tomavam ópio para a tosse, mas como sociedade evoluímos muito pouco de lá para cá.


Escrevi que a cloroquina está longe de ter sido o pior dos pecados do governo não porque o gasto de dinheiro público para a sua fabricação às toneladas seja irrelevante, ou porque não seja inadmissível ver o chefe da nação insistindo em fazer propaganda de remédio ineficaz, ou ainda porque a ideia de um “tratamento precoce” não possa levar a população a uma atitude displicente; mas porque a lista de ações e de omissões do presidente e de seus ministros é maior e mais grave, e é nela que a CPI deveria se concentrar.

Faltaram exemplos, encorajamento, trabalho e seriedade; faltaram cilindros de oxigênio e remédios necessários. Sobraram leviandade e incompetência. 

O Brasil não se ressentiu apenas da falta de vacinas, mas também da falta de compostura, de decoro e de comiseração pelos doentes e pelos mortos. Faltou espírito público onde sobrou deboche.

A pandemia tem sido um período duro para todos os países, mas tem sido particularmente difícil de enfrentar no Brasil onde, além do vírus, precisamos também enfrentar o negacionismo relinchante do palácio.

A foto de Bolsonaro sem máscara no meio dos ianomâmis, na semana passada, é o retrato perfeito da sua falta de cuidado e de respeito com os brasileiros — e chega a ser obscena quando confrontada com a foto feita dias antes, de máscara PFF2, no Equador.

Nenhum comentário:

Postar um comentário