terça-feira, 4 de maio de 2021

El Salvador vira modelo 'democrático' dos Bolsonaro

Muito se tem falado nos últimos anos a respeito das novas formas de minar a democracia, sem a necessidade de golpes de Estado clássicos, com tanques e tropas nas ruas. Regimes e governantes eleitos pelo povo, em processos que nem necessariamente são evitados de fraude eleitoral, passam a minar as instituições imediatamente após empossados, com o objetivo claro de blindar seus governos de críticas, fiscalização e oposição e se perpetuar no poder.

O processo está em curso, sem nenhuma tentativa de disfarce, em El Salvador. Eleito em 2019 para presidir o País, o jovem publicitário Nayib Bukele, obteve em fevereiro deste ano uma importante vitória legislativa, conquistando 61 das 80 cadeiras legislativas. O triunfo teve resultado imediata: empossada, a nova Assembleia Legislativa depôs todos os juízes da Suprema Corte e o procurador-geral que eram críticos ao regime de Bukele.

E foi aí que o presidente do pequeno país americano caiu nas graças do bolsonarismo, carente de espelhos desde a queda de Donald Trump. Na ausência de um primo rico num país grande e democrático, o jeito é se espelhar em alguém mais próximo.


Bukele reúne algumas das características caras ao bolsonarismo: é jovem, com perfil autoritário (já chegou a invadir o parlamento com força policial para pressionar por uma votação), teve ascendência meteórica na política, costuma atribuir a si mesmo desígnios divinos para tomar decisões, vem de um partido de extrema-direita que chegou ao poder depois de vencer a esquerda combalida por denúncias de corrupção e usa as redes sociais com maestria.

Sem esconder a inspiração, sobretudo depois que o Supremo Tribunal Federal virou a pedra no sapato para os arreganhos autoritários de Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo, o suposto especialista em política externa da família, passou o fim de semana numa escalada de admiração por Bukele no Twitter. Chegou a exaltar a deposição da Suprema Corte: "Tudo constitucional", escreveu, com indisfarçada inveja.

"Juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem", afirmou.

Fez a postagem em cima de outra em que o presidente salvadorenho convida os "amigos da América Latina" a uma espécie de intercâmbio político, um convite para a criação de uma "Ursal da direita", para usar um dos fetiches da direita nas eleições de 2018.

Não é de hoje que Eduardo Bolsonaro, Filipe Martins, Ernesto Araújo e o próprio Bolsonaro tentam emular regimes que corroem a democracia por dentro, implodindo suas instituições. As sucessivas manifestações, inclusive no último fim de semana, tendo o STF como alvo nada mais são do que investidas para plantar na sociedade a semente da insatisfação com o funcionamento do estado democrático de direito e tentar aumentar o apoio a saídas golpistas, como intervenção militar de alguma espécie.

Há, inclusive, narrativas que falseiam o que diz a Constituição a esse respeito, para criar a fantasia de que é "tudo constitucional", como diz Eduardo Bolsonaro, cuja inteligência limitada sempre faz com que deixe patentes todas as suas intenções.

Acontece que o Brasil não é El Salvador, e a popularidade combalida de Bolsonaro, graças à sua desastrosa condução da economia, não dá a ele algo nem próximo do aval que Bukele obteve nas urnas em fevereiro para colocar em marcha seu golpe branco.

Ainda assim, repito uma cantilena muito comum a esse espaço, mas que continuarei proferindo enquanto a ameaça golpista constantemente brandida pelo bolsonarismo prosseguir: ou as instituições ficam vigilantes para reagir a tentativas de fragilizá-las, ou só perceberão a infiltração quando ela tiver comprometido a estrutura do prédio da democracia constitucional.

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