quinta-feira, 29 de abril de 2021

País se torna monarquia, reina a esculhambação

Tornou-se comum no Brasil ouvir reclamações sobre a judicialização da política. Observa-se no momento o inverso: a politização da Justiça. Para o bem e para o mal, o Supremo Tribunal Federal se mete com incômoda frequência nos rumos da conjuntura política e no cotidiano do governo federal. A política brasileira opera sob os reflexos do 'Fator STF'. Submetido a ordens cada vez mais frequentes de ministros da Suprema Corte, o Poder Executivo faz por pressão o que se absteve de realizar por opção.

Há dois anos, a Lava Jato pulsava, Bolsonaro se preparava para tomar posse como um autoproclamado paladino da moralidade e Lula era um presidiário sem perspectivas. Isso tudo mudou. Graças ao Supremo, a força-tarefa de Curitiba é um fenômeno moribundo, Sergio Moro carrega na biografia uma tarja de "juiz suspeito", Lula está de volta aos palanques e Bolsonaro promove a indicação de todas amigas para blindar a si mesmo e à família.

Num fenômeno potencializado pela pandemia, o Supremo passou a impor ao governo federal providências comezinhas. Provocados por governos estaduais, partidos políticos ou pela defensoria pública, os magistrados interferem na rotina do governo.


Marco Aurélio Mello ordena a realização do censo do IBGE, que havia sido cancelado. Rosa Weber manda a União pagar leitos de UTI, ordena o fornecimento de sedativos para intubação. O plenário do Supremo determina o pagamento de uma "renda básica de cidadania" a pessoas extremamente pobres. Ricardo Lewandowski interfere até na ordem da fila de vacinação. Luís Roberto Barroso avaliza um plano de assistência sanitária a povos indígenas.

Houve um tempo em que o sistema governamental brasileiro se dividia em três poderes: Exército, Marinha e Aeronáutica. Numa fase mais moderna, a democracia passou a ser constituída por quatro poderes: o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o dinheiro, poder que pairava sobre todos os outros.

Agora, restabelecida a imoralidade pré-mensalão e instituída a ineficiência negacionista da pandemia, o Brasil tornou-se uma espécie de monarquia sem monarca. Nela, reina a esculhambação.

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