quarta-feira, 31 de março de 2021

Fritura de comandante é perde-perde

Faltavam três dias para a posse de Jair Bolsonaro, e o professor Delfim Netto ensinou:

— Na quarta-feira, o presidente terá que abrir a quitanda às nove da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco no caixa para atender à freguesia. Pelos próximos quatro anos, a rotina essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco. Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja.


O capitão trocou seis ministros. Noves fora as berinjelas, tinha na quitanda 14 milhões de desempregados e uma pandemia que já matou quase 318 mil pessoas — e decidiu criar uma encrenca militar.

Bolsonaro teria aumentado sua influência sobre o primeiro escalão. Falta dizer para quê.

No rastro dessa troca, veio o veneno: a saída do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, abriria o caminho para a troca do comandante do Exército, general Edson Pujol.

Não se frita comandante do Exército. A troca mais traumática dos últimos 50 anos ocorreu em 1977, quando o presidente Ernesto Geisel demitiu o general Sylvio Frota. Os dois não se bicavam há tempo, mas fritura não houve. Tanto foi assim que Frota chegou ao Palácio do Planalto sem saber que seria demitido. (Quando Bolsonaro era um capitão afastado do Exército abrigado na política, Geisel definiu-o com três palavras: “um mau militar”.)

Fritura de comandantes do Exército foi coisa do governo João Goulart, com quatro ministros em apenas três anos. Em 21 anos, os presidentes militares tiveram oito ministros. Deles, um deixou o cargo para ser presidente (Costa e Silva), e outro morreu (Dale Coutinho). Nenhum foi frito.

Desde que foi criado, em 1999, o Ministério da Defesa teve outros 11 titulares. Todos chegaram e partiram sem ruídos. A demissão do general Azevedo e Silva resultou na saída dos comandantes das três Forças, coisa nunca vista.

O primeiro murmúrio de uma eventual fritura de Pujol surgiu em maio do ano passado, mas não prosperou. Pujol pouco fala e não tuíta.

Trocar comandantes da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica é atribuição do presidente da República. Afinal, ele é o comandante das Forças Armadas. Apesar de o capitão gostar de se referir ao “seu” Exército, elas não são de sua propriedade. Chefes como Henrique Lott, Orlando Geisel e Leônidas Pires Gonçalves nunca usaram essa expressão possessiva. O problema aparece quando se acende o fogareiro da fritura. Isso porque se cria uma situação de perde-perde. Perde se frita e perde se não frita.

O marechal Castello Branco era cauteloso (até demais) e tinha as ideias no lugar. Em março de 1964, ele chefiava o Estado-Maior e distribuiu uma circular reservada onde dizia:

— Não sendo milícia, as Forças Armadas não são armas para empreendimentos antidemocráticos. Destinam-se a garantir os poderes constitucionais e sua coexistência.

O presidente acreditava estar amparado num poderoso dispositivo militar com seus “generais do povo”. Um mês depois, João Goulart estava no Uruguai. Deu no que deu.

As Forças Armadas não são milícia, e na porta da quitanda há quase 318 mil mortos e 14 milhões de desempregados. Em qualquer país e qualquer época, quem tem problemas desse tamanho não precisa de novas encrencas.

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