Sento com meu café, acendo um cigarro e ouço a rua que acorda em sua calma desordenada. Acesso as notícias e leio por alto as mesmas notícias de ontem e antes. Lembro-me de uma consulta de saúde recente, em que a médica errou duas vezes a data na receita. “Ainda estou em 2020.”, seguido por um riso constrangido ligeiro. Junto os elementos, concluo que, realmente, quem pode culpá-la? Apesar de alguma decoração nova, o salão em que a vida dança parece estar sem alterações.
Em meio a passos de sutileza e de brutalidade, quem é o maestro? Existem duas maneiras de lidar com a orquestra invisível: usurpar a condução ou improvisar na pista. Porque a sinfonia é quase romântica, entrecortando períodos de passagem serena, bela, com rompantes tempestuosos, que afogam ou formam bons marinheiros. Na primeira opção, torna-se responsável por cada instrumento, e deve se preparar para o desafino eventual. Já na segunda envolve inovar enquanto os outros provavelmente seguem num ritmo homogêneo. Trata-se de reconhecer que seu papel não é reproduzir a reação a um agente externo, mas ter um ouvido atento às possibilidades que cada nota transforma.
Metáforas musicais à parte, quem poderia prever uma pandemia? E quando acharia que haveria uma rejeição moral à cura similar à Revolta da Vacina, apesar das diferenças. Quando um médico receitaria contra uma cura por ideologia? De 100 anos para cá, a diferença é a elite se rebelar contra o povo. Até faz o anti-herói dos filmes “Fuga de Nova York” e “Fuga de Los Angeles” soar sensato: “Quanto mais as coisas mudam, mais continuam as mesmas.”
O ano começou?, é a pergunta que o café me traz após o primeiro gole. Certamente uma nova época. Nada será igual depois da pandemia (vide o mercado de trabalho…). Os sons da rua, porém, em meio aos alarmes, berros do vassoureiro e do sacolé e a cortes monótonos de veículos, teimam em uma normalidade que não é nova ou antiga. É a vida que toca no palco. E, quanto a nós, dançamos conforme a música ou criamos nossas passadas.
Daniel Russell Ribas
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