A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu investigação preliminar para verificar se há indícios de que o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, cometeram “práticas delitivas” na atuação do governo federal no combate à pandemia de covid-19. No mesmo dia, um grupo de senadores entregou um pedido de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) também para investigar a atuação do governo. A comissão já é chamada de CPI da Covid.
Como se sabe, Bolsonaro passou os últimos meses dedicando-se a construir uma blindagem tanto na PGR como no Congresso, razão pela qual não são pequenas as chances de que ambas as iniciativas deem em nada.
No primeiro caso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado para o cargo por Bolsonaro, informou que a abertura da investigação é apenas praxe, isto é, não significa, por ora, que haja indícios de que Bolsonaro e Pazuello cometeram algum dos crimes apontados no pedido, feito por deputados do PCdoB.
Os parlamentares acusam o presidente e o ministro da Saúde de prevaricação e de colocar em perigo a vida e a saúde dos brasileiros. O foco é o drama dos moradores do Amazonas e do Pará, onde dezenas de doentes de covid-19 morreram asfixiados por falta de oxigênio nos hospitais, sem que isso despertasse especial mobilização do governo federal. “O descompromisso de Bolsonaro e Pazuello com o enfrentamento à Covid-19 deixou gestores locais à deriva, tendo que administrar por conta própria fluxos e demandas que, via de regra, dependem de uma lógica conjunta – a mesma que orienta o Sistema Único de Saúde (SUS), que opera de forma tripartite, envolvendo União, Estados e municípios”, informa a ação.
No segundo caso, a instalação da CPI da Covid depende da autorização do novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, eleito há alguns dias com o apoio entusiasmado de Bolsonaro. “Com o recrudescimento da covid-19 em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, as omissões e ações erráticas do governo federal não podem mais passar incólumes ao devido controle do Poder Legislativo”, diz o requerimento da CPI.
Ainda que nenhuma das duas iniciativas prospere, há um crescente movimento para obrigar Bolsonaro e seu ministro da Saúde, o intendente Pazuello, a responder por seus atos, mais cedo ou mais tarde – mais cedo será melhor para o País, já que mais de mil brasileiros morrem por dia de covid-19. Parte desses óbitos poderia ser evitada se houvesse uma firme liderança do Ministério da Saúde na coordenação dos esforços contra a pandemia – o que dificilmente ocorrerá enquanto Pazuello estiver no Ministério, e Bolsonaro, na Presidência.
A má conduta de Bolsonaro é amplamente documentada. Não é exagero considerar que várias de suas ações podem constituir crimes de responsabilidade. O descalabro da saúde em meio à pandemia deveria bastar para que o presidente fosse pelo menos chamado a se explicar.
Se isso vai acontecer ou não, vai depender das condições políticas. Bolsonaro parece confortável com o arranjo que costurou na PGR e no Congresso. Mas, ao não demitir o ministro da Saúde, que já está sob investigação em inquérito no Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro deixa claro que seu subordinado não agiu senão em razão de orientação superior – afinal, como o próprio intendente declarou outro dia, “um manda e o outro obedece”.
Convém lembrar que Pazuello é o terceiro ministro da Saúde de Bolsonaro – os outros dois perderam o emprego por discordarem da insistência do presidente com o chamado “tratamento precoce”, isto é, o emprego de medicamentos sem eficácia comprovada. O próprio fabricante de um deles, a ivermectina, informou que não há base científica para receitar o remédio contra a covid-19 e, pior, ressaltou que há “preocupante falta de dados de segurança”. Ou seja, Bolsonaro é garoto-propaganda de um elixir que pode causar mal, sem a menor possibilidade de causar bem.
Mas Bolsonaro é irremediável. Segundo ele, seu elixir não faz mal nenhum e não se arrepende de receitá-lo. “Pelo menos eu não matei ninguém”, disse o presidente, exercendo sua especialidade: livrar-se de responsabilidade. Mas o País começa a reagir.
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