Citei os dois primeiros para dizer que o presidente Bolsonaro estava blindado pelo acordo com o Centrão e pela pandemia de COVID-19, que impede ou dificulta manifestações populares. Não falei sobre corrupção, e muitos adeptos do governo viram nisso uma tentativa de não enfrentar uma questão da qual, dizem, Bolsonaro está livre. O próprio Bolsonaro vive dizendo que nunca foi descoberto um escândalo de corrupção em seu governo, o que verdade relativa.
A Controladoria-Geral da União (CGU) detectou em 2019 irregularidades em uma licitação de R$ 3 bilhões do Ministério da Educação ( MEC ). O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação ( FNDE ) financiaria a compra de equipamentos de informática como computadores, notebooks, projetores e lousas digitais para escolas de todo o país dentro do Programa Educação Conectada.
Relatório oficial identificou que a licitação estimou um número maior do que o necessário de computadores a serem adquiridos, usando critérios falhos e sem base técnica. A investigação constatou que 355 escolas encomendaram mais laptops do que seu número real de alunos. “O caso que mais chamou a atenção diz respeito à Escola Municipal Laura Queiroz, do município de Itabirito/MG, que registrou a demanda de 30.030 laptops educacionais, embora a escola só tenha registrada na planilha o número de 255 alunos (117,76 laptops por aluno)”, registrou a CGU em seu relatório.
Embora a maracutaia tenha sido interrompida por um órgão de fiscalização do governo, até hoje não se soube o responsável pelas deformações da licitação e o presidente do FNDE naquela altura, Carlos Alberto Decotelli, acabou nomeado ministro da Educação por Bolsonaro. Não resistiu porém às imperfeições do próprio currículo, recheado de informações falsas sobre seus diplomas e vida acadêmica.
Agora mesmo temos um escândalo que seria cômico se não fosse trágico. Uma reportagem do portal Metrópoles revelou que o governo federal adquiriu no ano passado nada menos que R$ 15 milhões em latas de leite condensado, o equivalente a mais de 2,5 milhões de latas do produto que Jair consome em seu café da manhã no Palácio do Alvorada. Outra extravagância foi gastar R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 8,9 milhões em bombons e R$ 31,5 milhões em refrigerantes. São números que merecem ser investigados, chamam a atenção do mais desatento dos auditores.
Além dessas questões pontuais de potencial corrupção, o presidente Jair Bolsonaro e sua família estão envolvidos em investigações sobre desvio de dinheiro público no tempo em que eram todos parlamentares. As “rachadinhas” que beneficamente o hoje senador Flávio Bolsonaro quando era deputado estadual estão sendo investigadas, e o envolvimento da família com milicianos pode ter desdobramentos.
A ligação do ex-PM Fabricio Queiroz com os dois tipos de crime, e sua relação antiga com a família assombram desde o inicio o governo. Mesmo que se alegue que tecnicamente nada poderia ser feito, pois os supostos crimes foram cometidos antes de Bolsonaro ser presidente da República, algumas situações reverberaram no atual mandato, como a manobra para esconder Queiroz na casa do advogado pessoal de Bolsonaro em Atibaia; ou o uso das agências de inteligência para ações em órgãos como a Receita Federal para tentar anular as provas contra o senador. Ou a interferência pessoal do próprio presidente na Polícia Federal, com o mesmo intento.
Não é preciso, porém, que o presidente seja apanhado com a boca na botija, mas a simples demonstração de que ele está envolvido com atos corruptos, por menores que possam parecer, bastaria, num país normal, para que fosse alvo de investigações e passível de impeachment. Não se trata de matar passarinho ou dar cascudo na ema do Alvorada, como disse o ministro Paulo Guedes para tentar desmoralizar o movimento pelo impeachment. R$ 15 milhões em leite moça é de dar indigestão cívica.
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