Bolsonaro deflagrou há quatro meses uma campanha contra a obrigatoriedade da vacina. Hoje, busca uma vacina política capaz de imunizá-lo contra o desgaste que o atraso na vacinação dos brasileiros pode lhe proporcionar. Renato Casagrande, governador do Espírito Santo, fez uma previsão: "O governo do presidente Bolsonaro acabará mais cedo se o Ministério da Saúde não comprar todas as vacinas contra a covid disponíveis e aprovadas pela Anvisa."
Numa conversa com a coluna, Casagrande ecoou o pensamento de outros governadores. Disse que, "se Bolsonaro comprar as vacinas que ajudarão a salvar vidas e a recuperar a economia brasileira, ele ganha um fôlego em 2021. Do contrário estará politicamente derrotado."
Bolsonaro enfrenta algo muito parecido com um cerco. O rival João Doria anunciou para 25 de janeiro um hipotético início da vacinação em São Paulo. O desafeto Rodrigo Maia avisou que o Legislativo aprovará um plano para compra de vacinas —com ou sem a participação do Ministério da Saúde. O Supremo Tribunal Federal marcou para 17 de dezembro o julgamento de um par de ações sobre a aquisição de vacinas e a formulação de um cronograma federal de imunização. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde bateu bumbo pela incorporação de todas as vacinas disponíveis no Plano Nacional de Imunização do Ministério da Saúde.
Sitiado, Bolsonaro começou a fazer por pressão o que deixou de realizar por opção. Correu às redes sociais para informar que seu governo ofertará vacina contra a covid-19 para toda a população brasileira "de forma gratuita e não obrigatória", desde que haja certificação da Anvisa. Declarou ter obtido do ministro Paulo Guedes, da Economia, a garantia de que não faltarão recursos. Liberou R$ 59 milhões para os estados comprarem equipamentos de refrigeração para salas de vacinação.
Um mês e meio depois de ter humilhado o general Pazuello, desautorizando um protocolo para aquisição de 46 milhões de doses da "vacina chinesa do Doria" —como ele se refere à coronaVac—, Bolsonaro autorizou o ministro da Saúde a promover novo encontro com os governadores. Na noite da véspera, horas antes da reunião desta terça-feira, 8 de dezembro, o governo anunciou o plano de adquirir 70 milhões de doses da vacina da farmacêutica Pfizer. A mesma que começa a ser aplicada agora no Reino Unido. A mesma que o Ministério da Saúde brasileiro havia descartado na semana passada.
Em agosto, Bolsonaro deflagrou uma campanha pela liberdade do brasileiro de não se vacinar. Em outubro, afirmou que vacina obrigatória só no Faísca, o cachorro da família Bolsonaro. Em novembro, festejou como vitória pessoal a morte de um voluntário dos testes conduzidos pelo Butantan. Era suicídio. Nada tinha a ver com a vacina. Em plena elevação da curva de incidência de covid, insinuou que o brasileiro deve enfrentar o vírus de peito aberto. O Brasil precisa "deixar de ser um país de maricas", declarou.
Sob o impacto do início da vacinação no exterior, o brasileiro pressiona os governos estaduais, o Congresso e o Judiciário. Cobra atitudes diante da inação do governo federal. Bolsonaro emite sinais de que pode ter compreendido uma obviedade: a conjuntura muda tão rapidamente que aquele que inventa pretextos para que alguma coisa não seja feita acaba sendo desmoralizado por alguém que está fazenda a coisa.
A revolta dos maricas mostra que a maioria dos brasileiros enxerga a vacina como um direito, não uma obrigação. Bolsonaro pode tornar seu governo opcional se não tratar a vacinação como um tema obrigatório.
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