O presidente Bolsonaro vive se queixando de que sua vida está “uma desgraça” (e a dos brasileiros?), e parece por esses dias mais fragilizado do que normalmente. Transformar o país que governa em motivo de piada no mundo, no entanto, é arriscar-se na linha que separa a sanidade mental da simples gafe.
A paráfrase que fez do conceito de guerra de Carl Von Clausewitz é uma humilhação para os generais brasileiros que fizeram a preparação acadêmica que faltou a Bolsonaro, um tenente que foi promovido a capitão quando foi para a reserva, depois de uma expulsão branca por ser um militar incompatível com a instituição do Exército.
“Quando falta saliva, tem que ter pólvora” é a simplificação vulgar que Bolsonaro fez da definição de guerra de Clausewitz, especialista em estratégias e autor do mais famoso tratado sobre o tema no Ocidente: “Sobre a Guerra” (do alemão Vom Kriege), publicado em 1832, depois de sua morte.
“A guerra é a continuação da política por outros meios” é uma frase que resume bem o que Clausewitz pensava sobre a guerra, que o vice-presidente General Hamilton Mourão chamou de “antigo aforismo”, na tentativa de dar um lustro nas bobagens que o presidente disse.
O presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, durante um debate na campanha, disse que buscaria "organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia". Afirmou também que o Brasil pode enfrentar "consequências econômicas significativas" se não parar de "destruir" a floresta.
Bolsonaro sentiu-se ofendido, disse que não queria esmolas, e várias vezes já se referiu a essa “ameaça” para justificar porque ainda torce pela vitória de Trump: “É isso que vocês querem para o Brasil?”perguntou recentemente a um grupo de apoiadores."
No discurso em questão, Bolsonaro não se referiu diretamente a Biden, mas a um “um grande candidato à chefia de Estado” ( para Bolsonaro, assim como para Trump, a eleição americana ainda não terminou) que ameaça o Brasil com sanções econômicas: “E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto [Araújo, ministro das Relações Exteriores]? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão, não funciona. Não precisa nem usar pólvora, mas tem que saber que tem. Esse é o mundo. Ninguém tem o que nós temos", declarou.
Muitos se lembraram de filmes associados a essa pataquada, como o “O Incrível Exército de Brancaleone”, com Vittorio Gassman, ou “O rato que ruge”, com Peter Sellers. O primeiro trata das alucinações de um grupo de maltrapilhos que se armam para uma guerra na Europa medieval. O segundo, de um país periférico que declara guerra aos Estados Unidos para receber algum auxílio financeiro, e acaba ganhando.
Eu fiquei mais preocupado ao me lembrar do general ex–ditador argentino Leopoldo Galtieri, que declarou guerra à Inglaterra em 1982 ao tomar militarmente as Ilhas Malvinas, hoje definitivamente Falklands. A decisão teria sido tomada em meio a um tremendo porre de uísque, bebida frequente do General.
Assim como o país fictício de “O rato que ruge”, o Grão Ducado de Fenwick, também a Argentina estava em crise econômica gravíssima, e a ditadura militar estava prestes a cair. No dia 30 de março daquele ano, 40 mil pessoas estavam na Praça de Mayo, em frente à Casa Rosada, pedindo o fim da Ditadura. A invasão das Malvinas deu-se três dias depois, numa manobra para tentar unir o país contra um inimigo externo.
“Que venga el principito", gritavam os argentinos nas ruas diante da notícia de que o Príncipe Andrew estava no porta-aviões Invencible, como co-piloto de helicóptero. Deu certo durante poucos dias, pois, ao contrário do que o General Galtieri imaginava, a primeira-ministra Margareth Thatcher ordenou o envio de tropas às Malvinas, e a Argentina foi humilhada militarmente.
Ao que me consta, Bolsonaro não bebe. Mas anda muito estressado. Só faltava essa loucura para humilhar mais ainda os generais que se atrelaram a seu governo, a cada dia mais insustentável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário