Donde se depreende que corajoso, para Bolsonaro, é quem ignora as medidas de proteção contra a pandemia, pois, afinal, segundo suas próprias palavras, “todos nós vamos morrer um dia”. Ou seja, o presidente da República está explicitamente incitando seus governados a correr risco de morte.
Mas não ficou só nisso. Bolsonaro questionou a inteligência dos eleitores que apoiam prefeitos “que fecharam as cidades” – isto é, que tomaram providências para conter a pandemia: “Por que esses caras estão bem na frente nas pesquisas, meu Deus do céu?”.
E tudo isso depois de celebrar um suposto revés na pesquisa da vacina desenvolvida pela China em parceria com São Paulo, Estado governado por seu maior desafeto, João Doria.
Quase nada escapou da logorreia de Bolsonaro. Ele atacou os jornalistas, chamando-os de “urubuzada”, tornou a questionar a confiabilidade das urnas eletrônicas nas eleições brasileiras e ainda fez piada grosseira com as movimentações políticas de centro para enfrentá-lo nas eleições de 2022: “Aí vem a turminha aí falar de ‘ah, queremos um centro, nem ódio pra lá nem ódio pra cá’. Ódio é coisa de maricas, pô. Meu tempo de bullying na escola era na porrada”.
Completou a glossolalia queixando-se de que é responsabilizado “por tudo o que acontece no Brasil” e que a Presidência é uma “biboca” que “tem criptonita ou um formigueiro”. Emendou criticando os que querem seu lugar “falando besteira o tempo todo, mentindo, provocando, caluniando, perseguindo os familiares o tempo todo”. A menção aos “familiares” não foi gratuita: sempre que o cerco judicial ao filho Flávio Bolsonaro no escândalo das rachadinhas se aperta, o presidente perde as estribeiras.
Mas a prova cabal de que o equilíbrio de Bolsonaro depende cada vez mais das fases da Lua foi sua tresloucada ameaça de declarar guerra aos Estados Unidos. O presidente queixou-se das cobranças feitas por Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos, a respeito da proteção da Amazônia e, após questionar “como é que podemos fazer frente a tudo isso”, amparou-se no seu chanceler Ernesto Araújo, outro selenita, para declarar: “Apenas a diplomacia não dá, não é, Ernesto? Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão não funciona”. Custa a crer que os militares que estão no entorno de Bolsonaro não se envergonhem de seu “capitão” ante tamanho desatino, que enxovalha a Presidência da República.
Se tudo isso somado não constitui clara afronta ao decoro do cargo, ou seja, crime de responsabilidade passível de impeachment, como determina o artigo 7.º da Lei 1.079, é difícil saber o que mais seria. Mas Bolsonaro desafia os brasileiros e suas leis há muito tempo, desde a época em que, como deputado, violava o decoro a cada vez que abria a boca, sem contudo ser punido. E não será agora, pelo menos enquanto estiver sob a proteção do notório Centrão – que, em troca, coloniza um governo sem rumo, cujo símbolo maior é a inépcia de um ministro da Economia que deu agora de falar em risco de “hiperinflação” em razão da escalada da dívida que lhe cabe, e a seu chefe, administrar.
Mas os brasileiros não responderão a mais esse repto do sr. Bolsonaro, pois têm mais o que fazer do que dar atenção a um presidente que se comporta como o buliçoso da turma do fundão. Há uma pandemia a enfrentar, uma economia a recuperar e um País a reconstruir. “Entre pólvora, maricas e o risco de hiperinflação, temos mais de 160 mil mortos, uma economia frágil e um Estado (o Amapá) às escuras”, lembrou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que completou: “Em nome da Câmara dos Deputados, reafirmo o nosso compromisso com a vacina, a independência dos órgãos reguladores e com a responsabilidade fiscal”. Para nossa sorte, nem todos em Brasília estão no mundo da lua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário