Em agosto passado, o presidente Jair Bolsonaro anunciou, solenemente, que não participaria das eleições municipais como cabo eleitoral de ninguém, porque, segundo suas palavras, “tenho muito trabalho na Presidência e tal atividade (a campanha eleitoral) tomaria todo meu tempo num momento de pandemia e retomada da nossa economia”. Na mesma época, proibiu seus ministros de participarem da campanha, com argumento semelhante.
Como se sabe, contudo, Bolsonaro foi um dos mais ativos cabos eleitorais nesta campanha, bem como alguns de seus ministros. Nem a pandemia acabou nem a economia engrenou, mas o presidente achou espaço na sua agenda para entregar-se a suas especialidades – participar de eleições e ignorar promessas. O presidente alegou que pedia votos para seus candidatos somente “depois do expediente” – como se a Presidência fosse um cargo ocupado por um barnabé que bate cartão.
O problema é que Bolsonaro não trabalha. A prova disso é a absoluta incapacidade de seu governo de encaminhar as reformas e as medidas sem as quais o País não se recuperará tão cedo do desastre em curso. Há sempre uma desculpa para a procrastinação, e a mais recente era a realização das eleições municipais.
Pois bem: as eleições foram realizadas ontem e, portanto, não há mais razão para que o presidente e seus auxiliares não arregacem as mangas e façam o que deve ser feito. Para tentar mostrar serviço, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), chegou a anunciar que logo depois do primeiro turno das eleições o governo colocaria para votar uma extensa pauta, que inclui um projeto de renegociação das dívidas dos Estados, a autonomia do Banco Central e a regulamentação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). De novo, contudo, faltou articulação: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, responsável por pautar as votações, disse desconhecer o tal pacote do governo. “Não estou nem sabendo disso aí. Não sei de onde veio essa pauta”, declarou Maia.
Esse é o padrão do governo Bolsonaro: a confusão, o mal-entendido e, principalmente, a falta de iniciativa do presidente da República, de quem todos esperam o norte da administração. Como Bolsonaro não sabe o que quer como presidente e já se queixou diversas vezes do fardo do cargo, esquiva-se de tomar decisões, esperando que ou as coisas se resolvam por si mesmas ou que o Congresso afinal se encarregue de tocar o País adiante.
O Congresso, praticamente desde a posse de Bolsonaro, assumiu o protagonismo político que, no presidencialismo, deveria obviamente ser do presidente. O problema é que os compromissos obscuros de Bolsonaro com o Centrão, que lhe garantem sobrevida no cargo a despeito de seus inúmeros atentados à dignidade da Presidência da República, podem acabar transformando o Congresso numa extensão do desastroso governo bolsonarista.
No início do ano que vem haverá eleição para a presidência da Câmara e do Senado, pleito que Bolsonaro tenta influenciar em favor do Centrão, cujo modus operandi ficou claro na disputa pela presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO). A CMO, responsável por votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias, sem a qual o governo não tem respaldo para executar o Orçamento, nem sequer foi instalada, porque o Centrão quer a direção da comissão, desrespeitando um acordo parlamentar prévio. Como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, bateu o pé em relação ao acordo, o Centrão, como se fosse da oposição, passou a obstruir qualquer votação, inclusive de temas de interesse do governo, até que sua vontade seja feita.
É esse o senso de urgência dos governistas. Em nome de seus interesses, não se importam em adiar a aprovação de medidas importantes para o País. Enquanto isso, o presidente Bolsonaro, que deveria liderar o processo político, passa todo o expediente a fazer o que sabe melhor: criar confusão e ultrajar os brasileiros.
Com o fim do primeiro turno da eleição, acabou a última desculpa de Bolsonaro para não trabalhar. Qual será a próxima?
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