domingo, 18 de outubro de 2020

O risco pós-covid

O governo está encrencado, com dinheiro curto, grandes empréstimos perto de vencer, Orçamento emperrado e dívida pública batendo em 100% do PIB. Os credores sabem disso, quem empresta ao Tesouro exige prêmios maiores e há fortes sinais de inquietação no mercado. Mas o presidente, seus ministros “políticos” e os aliados presidenciais parecem surdos e olham para outro lado, como se finanças públicas fossem um assunto abstruso, abstrato e muito distante do dia a dia. Pior para o Brasil, esse enorme país em torno do Distrito Federal. Quando um governo quebra, a conta mais pesada – com desemprego e outros apertos – vai para quem batalha duramente para garantir o feijão com arroz, o aluguel, os cadernos das crianças e algumas prestações.

Dívidas de R$ 643 bilhões, mais que o dobro da média dos últimos cinco anos, devem vencer entre janeiro e abril. Em quatro meses será preciso pagar 15,4% da dívida interna. Com gastos muito maiores por causa da pandemia, o Executivo precisou buscar mais empréstimos e preferiu operações com prazos mais curtos, para evitar juros maiores. Mas prazos mais curtos – e muito curtos, no caso brasileiro – tornam a dívida mais perigosa. Em 2021 a economia avançará em marcha lenta e isso limitará a arrecadação, mas os gastos obrigatórios continuarão em alta.



Para enfrentar o aperto o Tesouro terá de ir ao mercado, mas as condições para rolar a dívida e conseguir mais empréstimos poderão ser piores, se os financiadores tiverem menos confiança na solvência do setor público. Sinais de insegurança quanto à evolução das contas oficiais têm sido fortes há alguns meses. São perceptíveis nas oscilações do mercado financeiro, nas advertências de investidores e analistas e na dificuldade crescente para colocação de títulos federais. O Banco Central (BC) tem dirigido alertas frequentes ao Executivo, até agora sem resultado.

As condições de financiamento poderão piorar se as notas de crédito do Brasil forem rebaixadas. Uma advertência ainda suave partiu há poucos dias da Moody’s, uma das principais agências de classificação. Ao decidir manter a nota, há alguns meses, a agência levou em conta as necessidades de maiores gastos e mais empréstimos neste ano, mas com a condição de um esforço de ajuste logo em seguida, disse na quarta-feira a vice-presidente e analista da Moody’s, Samar Maziad.

O Brasil está dois níveis abaixo do grau de investimento. As três maiores agências – Moody’s, Fitch e Standard & Poor’s – tiraram o chamado selo de bom pagador no fim do governo da presidente Dilma Rousseff e depois ainda voltaram a rebaixar a classificação do País. O Executivo deveria levar a sério o risco de um novo rebaixamento.

Medidas eleitoreiras, voltadas para a disputa de 2022, estão entre as preocupações apontadas por analistas e investidores. A evidente concentração do presidente na busca da reeleição justifica o temor. Além disso, a equipe econômica se limita a reafirmar a promessa de retomar o ajuste fiscal e manter a pauta de reformas, sem apresentar um programa de ação. Não há plano de sustentação da economia nem sinais de como se pretende arrumar as finanças públicas.

A dívida oficial, com maior peso e menor prazo, é, no entanto, só uma parte dos problemas. O teto de gastos para 2021 deve ser baseado na inflação de 2,13% correspondente aos 12 meses até junho. Mas a alta de preços ganhou impulso e chegou a 3,14% no período terminado em setembro. Isso afetará, entre outras variáveis, a correção do salário mínimo e aumentará as pressões sobre os gastos públicos. Segundo relatório do BTG Pactual obtido pelo Estadão/Broadcast, será preciso cortar R$ 20 bilhões do gasto federal para evitar o estouro do teto.

Parte do aumento da inflação é atribuível ao dólar. Também isso remete à insegurança em relação às contas públicas e à solvência do Tesouro, temas obviamente ligados à campanha presidencial pela reeleição. Passado o choque da pandemia, os objetivos pessoais do presidente são a maior ameaça às contas públicas do Brasil.

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