quando o Programa Alimentar Mundial da ONU foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz na semana passada, fiquei realmente contente. E, imediatamente, pensei no Brasil.
Pensei num Brasil que, junto com outros 12 países, foi premiado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura (FAO) em dezembro de 2014 pelo seu êxito do combate à fome. Num Brasil que conseguiu sair do vergonhoso Mapa da Fome da ONU.
Pensei em José Francisco Graziano da Silva, ex-ministro de desenvolvimento social e combate à fome. Graziano ficou mundialmente conhecido pelo programa Fome Zero e, em consequência disso, foi nomeado diretor executivo da FAO em 2011 e reeleito para o cargo em junho de 2015.
Pensei também no médico Josué de Castro. Em 1946, ele publicou o livro Geografia da fome, que mostrou as razões da fome epidêmica naquela época em Recife. E claro, pensei no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi o primeiro presidente no Brasil a ter passado fome e que fez da luta contra esse flagelo um programa de governo.
Mas justamente num momento de crise econômica e no meio de uma pandemia, esse Brasil se despediu do combate global à fome. É difícil acreditar que o país, um dos maiores produtores de alimentos no mundo, seja agora um dos menores doadores na luta contra a fome.
Conforme mostra o ranking das contribuições ao WFP, a maior agência humanitária do mundo, as doações do Brasil entre 2016 e 2020 somam apenas 18,94 milhões de dólares. Com isso, o Brasil ocupa somente o 44º lugar entre os 134 países do ranking. Pior: ele fica atrás de países pobres, como Burundi (19 milhões de dólares), Moçambique (40 milhões), Bangladesh (57 milhões) Colômbia (60 milhões) e Malawi (116 milhões).
Confesso que só durante o tempo que vivi no Brasil me deparei com as implicações gigantes e o sofrimento causados pela fome. Numa visita a um hospital de Recife em 1992, aprendi que, naquele tempo, 15% das crianças que nasciam em hospitais públicos tinham peso abaixo do normal. Aprendi também que, por causa da fome epidêmica, tinha surgido uma "geração de nanicos" em várias regiões do Nordeste.
Mas foi no Brasil também que aprendi que o combate à fome não é somente uma questão de dinheiro, mas sim de vontade política. Nos tempos de Josué de Castro, as populações periféricas de Recife, por exemplo, usavam 70% de sua renda para alimentação. Por causa dos programas de transferência de renda e de cisternas no sertão, a situação foi aliviada.
Justamente um dos estados mais pobres do Brasil, o Ceará conseguiu reduzir a mortalidade infantil em mais de 30% nos anos 90. O segredo desse sucesso foi a transformação de mais de 4 mil mulheres do interior em agentes de saúde.
Essas mulheres visitaram, de bicicleta ou a pé, todas as grávidas e mães nas suas regiões e as ensinaram os primeiros cuidados com higiene e alimentação. Incentivaram-nas a amamentar e vacinar as suas crianças. Com isso, a subnutrição e a mortalidade infantil caíram. O programa, chamado "Viva Criança", foi premiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O ex-arcebispo emérito de Recife e Olinda Dom Hélder Câmara (1909-1999) considerou a fome uma "ofensa a Deus". "Quando dou comida aos pobres chamam-me de santo. Quando pergunto por que eles são pobres chamam-me de comunista" é uma de suas frases mais famosas. Eu me pergunto então: por que continuamos ofendendo Deus?
Astrid Prange de Oliveira
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