A personagem construída por Jair Bolsonaro não tem culpa de nada, e nunca é responsável por algo de ruim ou de errado que aconteça ao Brasil ou aos brasileiros. Não gosta de falar nos quase 140 mil mortos da Covid-19. Assume apenas os acertos da pandemia, como o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 — que nem foi ele que inventou, mas que ajudou a reverter a curva de queda e aumentou sua popularidade. Em campanha permanente, Bolsonaro se ausenta de deveres e obrigações ingratas que são inerentes ao papel de chefe de Estado e de governo, jogando-os no colo de terceiros.
Mas seu saco de bondades tem fundo. O auxílio-emergencial recebido por 44% das famílias do país teve que ser reduzido para R$ 300 e acaba no fim do ano. Com os recursos disponíveis no orçamento, o governo não terá condições de apresentar ao país um programa de renda que cubra essa gente toda. Vai ficar muita gente de fora, e no momento em que o desemprego aumenta: segundo o IBGE, de maio a agosto atingiu mais 2,8 milhões de pessoas, uma alta de 27% , e todas as previsões são de que crescerá ainda mais até o fim do ano. Isso coincide com o crescimento da inflação dos alimentos, registrado a cada semana.
O que vai fazer Bolsonaro diante dessa agenda? Afinal, na sua narrativa, a vítima é sempre ele e não os brasileiros que sofrem e morrem de Covid, que perdem os empregos, ou que voltam ao triste mapa da fome. Mas que, é sempre bom lembrar, o elegeram na esperança de que resolvesse ao menos alguns de seus problemas. Conseguirá o presidente da República continuar passando ao largo das mazelas e, em 2022, ser escolhido de novo para se comportar como se não tivesse nada com isso? A rigor, ele nunca deixou de ser um candidato, botando a culpa de tudo também em quem veio antes dele. Com um ano e oito meses de governo, porém, já entrou naquele território simbólico em que quem veio antes de Bolsonaro foi Bolsonaro.
Helena Chagas
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