Os beneficiados pelo auxílio, no total, receberão R$ 4,2 mil do governo federal. Muitos nunca viram tanto dinheiro. Esses recursos explicam em parte o bom desempenho da agricultura, único setor positivo do PIB deste segundo trimestre do ano, principalmente da cultura do arroz (7,3%), porque o café (18,2%) e a soja (5,9%), embora tenham também grande consumo interno, foram beneficiados principalmente pelas exportações. O abono ajudou a manter os níveis de consumo de alimentos pela população. O Brasil, porém, está vivendo a maior recessão de sua história, segundo o IBGE, com uma retração de 12,3% no segundo trimestre e de 12,7% na comparação com igual período do ano passado; o agronegócio foi o único setor, pelo lado da produção, a ter números positivos, de 0,4% e 1,2%, respectivamente. Os dados foram divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O problema principal é a indústria parada. A queda de produção na indústria de transformação foi de 17,5%, na comparação com os primeiros três meses do ano, e 20% em relação ao mesmo período do ano passado. Os setores mais atingidos foram: automotivo, máquinas e equipamentos, transporte, metalurgia e têxtil. Na indústria têxtil, a queda foi 93%, o que aponta uma retração de 23% neste ano. O ministro da Economia, Paulo Guedes, minimizou a queda do PIB e voltou a defender a tese, inverossímil, de que haverá uma recuperação em V da economia no curto prazo, o que não coincide com a avaliação do mercado financeiro. Comparou os números do PIB à luz das estrelas, que viajam milhões de ano para chegar até nós. Segundo ele, os dados refletem o passado e não a situação real da economia. A narrativa pode convencer Bolsonaro; no mercado, quase ninguém acredita.
O problema de Guedes é que os agentes econômicos estão de olho na crise fiscal. O custo do abono é quase de 1% do PIB por mês. Embora Guedes tente reduzir isso pela metade, não será muita surpresa se o Congresso decidir manter os R$ 600 até o fim do ano. O raciocínio da oposição é muito simples: é melhor aumentar o abono, com Bolsonaro contra, do que deixar o governo com saldo para gastar em obras dos ministérios da Infra-Estrutura e do Desenvolvimento Regional, que miram apenas os aliados do presidente. A relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) deve superar o patamar de 95% neste ano. Em 2019, o endividamento do Brasil foi de 75,8%. Se o abono de R$ 600 for mantido, a dívida pública ultrapassará 100% do PIB. O xis da questão para o mercado financeiro é o “teto de gastos”, que Guedes quer manter, mas Bolsonaro não faz muita questão. Se ele for ultrapassado, haverá retração ainda maior nos investimentos privados, sem que o governo possa compensar com recursos públicos.
A decisão de reduzir o abono emergencial de R$ 600 para R$ 300 tem um cálculo eleitoral de Bolsonaro. A ideia é absorver o desgaste inicial e, mais na frente, faturar a manutenção desse auxílio para as famílias de baixa renda por meio do novo programa de transferência de renda que substituirá o Bolsa Família, denominado Renda Brasil. Esse abono é 50% maior do que o programa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que chega no máximo a R$ 205, quando beneficia cinco pessoas, e atenderá a um número maior de pessoas de baixa renda. Com ele, o presidente da República pretende pavimentar sua reeleição. O abono ajudou o governo a mitigar o desgaste com a pandemia de Covid-19 e abriu as portas desse eleitorado para Bolsonaro, deslocando a oposição de boa parte desse segmento, inclusive no Nordeste.
O outro lado da moeda é a forma como esse déficit fiscal será administrado por Guedes. No mercado financeiro há duas hipóteses: aumento de impostos ou inflação. Qualquer um dos dois é péssimo para a economia. Preocupado com as expectativas negativas, Guedes disse que a reforma tributária ainda não está madura — na verdade, não há clima político para aumento de impostos – e anunciou que pretende mandar a proposta de reforma administrativa para o Congresso amanhã, o que sinalizaria o empenho do governo no sentido de reduzir os gastos com a sua própria máquina administrativa.
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