terça-feira, 25 de agosto de 2020

O incitamento ao ódio e a liberdade de expressão

O princípio de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que ninguém pode ser descriminado no exercício dos seus direitos em razão da raça, da cor ou da língua, assume na sociedade atual a natureza de um valor universal, inerente ao próprio reconhecimento da dignidade da pessoa humana.

O princípio expressamente consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e em todos os documentos de natureza internacional dos direitos humanos, tem igual consagração na Constituição da República Portuguesa, enquanto direito fundamental de qualquer cidadão.


A liberdade de expressão constitui um direito de primeira geração, englobando o direito de exprimir e divulgar ideias e opiniões, através de quaisquer meios, sendo vedado qualquer obstáculo discriminatório para a sua concretização por parte do Estado ou de terceiros.

No entanto, o âmbito da liberdade de expressão não é ilimitado nem absoluto, podendo ser restringido ou regulado por lei em prol da ponderação de outros bens jurídicos igualmente relevantes ou de maior peso tutelados constitucionalmente ou internacionalmente.

O Código Penal Português, tal como outros códigos a nível europeu, punem criminalmente a conduta de quem “fundar ou constituir organização ou desenvolver atividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, ou que a encorajem; ou participar na organização ou nas atividades referidas ou lhes prestar assistência, incluindo o seu financiamento”.

Grande parte dos países europeus proíbe o discurso ao ódio.

A lei não deve tutelar a proteção da liberdade de expressão dos titulares de discursos propagadores do ódio, cujo único objetivo é, na sua forma e conteúdo, a estigmatização, o insulto ou a humilhação de um determinado grupo, seja ele minoritário ou maioritário. A liberdade de expressão deve ser negada a quem queira, através do seu exercício, restringir liberdades fundamentais alheias, propalando e incitando ao ódio racial e pondo com o seu comportamento em causa o próprio valor universal da dignidade da pessoa humana.

A propaganda e o incitamento à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica, ou o encorajamento de tais atividades constituem atividade criminosa e, por conseguinte, caem fora do âmbito do princípio da liberdade de expressão.

Não estamos assim perante cidadãos a exercer o seu direito de opinião, mas perante um grupo de delinquentes que devem, por esse facto, ser investigados e responsabilizados pelos seus atos, pois são eles que estão a agir à margem dos valores constitucionais da sociedade em que se inserem.

A nossa memória coletiva é muito curta. Não aprendemos com a História.

Vivemos tempos em que os direitos humanos e a proibição da discriminação injustificada estão consagrados na legislação nacional, europeia e internacional, mas também não ignoramos que os tempos de crise são uma oportunidade para populismos discriminatórios e racistas.

O individualismo e o egoísmo nunca conduziram a bons resultados. Torna-se necessário utilizar com rigor os meios legais existentes, com tolerância zero para com os crimes racistas, mas também e, sobretudo, promover as condições do respeito pela dignidade e direitos de todos sem discriminações e a adoção de uma pedagogia que promova o espírito de fraternidade entre todos os residentes, sejam eles nacionais, estrangeiros ou apátridas.

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