Em vez de pregar o diálogo e mostrar compromissos com a sustentabilidade, a peça oratória de Bolsonaro investiu no anátema. Parecia que estava congelado no tempo, refém da polarização da era da guerra fria. Como um Dom Quixote da ultradireita mundial, combateu os moinhos de vento do comunismo e do multilaterismo.
Crente de que a melhor defesa seria o ataque, agrediu países como a Alemanha, Noruega e França, acusando-as de agir por protecionismo de suas produções agrícolas e de serem uma ameaça à nossa soberania nacional. As ONGs seriam os agentes desses interesses escusos. Assim, as queimadas foram vendidas como coisa da natureza e o governo como modelo na defesa do meio ambiente.
O discurso foi um marco na condição de pária à qual o Brasil passou a ser tratado.
Nove meses depois, a fatura apareceu. Fundos investidores que controlam ativos da ordem de 4 trilhões de dólares ameaçam excluir o Brasil de sua carteira de investimentos se o governo não tomar medidas concretas contra a devastação da Amazônia e de defesa dos direitos indígenas.
O governo sentiu o golpe. Mas sua reação é a de um boxeador nocauteado, sem saber como sair do canto do ringue. O vice, Hamilton Mourão, coordenador do Conselho Nacional da Amazônia, viu nas preocupações dos fundos de investimentos interesses protecionistas de outros países. Repetiu os chavões do discurso do presidente na ONU.
Já o ministro Paulo Guedes atribui a imagem negativa do Brasil a maus brasileiros. Mutatis mutantis, é o mesmo discurso da época da ditadura militar, quando se atribuía a quem denunciava no exterior as torturas a responsabilidade sobre a péssima imagem do Brasil.
A Amazônia é um tema que desperta teorias conspiratórias no governo. A começar pelo presidente. A paranoia da ameaça externa leva os militares a defenderem a ocupação da Amazônia a qualquer preço, mesmo que esse preço seja a degradação do meio ambiente e a violação dos direitos indígenas.
É uma herança dos anos 70, quando o slogan do governo Médici era integrar para não entregar.
Essa integração deu na Transamazônica, na colonização fracassada e em Serra Pelada. Também na exploração irracional da madeira, na pecuária devastadora. Em relação aos índios, foi a própria negação dos valores do Marechal Rondon, para quem a integração deveria se dar de forma voluntária e pacífica, respeitando-se o modo de vida e os valores dos nativos.
O governo está inteiramente equivocado na sua compreensão de que a reação dos fundos de investimentos e dos países desenvolvidos é fruto da “desinformação”. Ela decorre de mudanças substantivas na forma como o capitalismo se estrutura nos tempos atuais.
As empresas se organizam cada vez mais como um capitalismo de partes interessadas, dentro do conceito que elas não se compõem apenas de acionistas, mas também de funcionários, consumidores e fornecedores. De acordo com os novos conceitos, elas tem responsabilidades sociais e ambientais, daí suas preocupações com a Amazônia e os povos indígenas.
O modelo predatório vai inteiramente na contramão das tendências do capitalismo moderno. Não apenas internacionalmente, mas também internamente. Quarenta grandes empresas brasileiras acabam de encaminhar ao vice-presidente Mourão manifesto com as mesmas preocupações dos fundos investidores e onde enfatizam que “é necessário adotar rigorosa fiscalização de irregularidades e crimes ambientais na Amazônia e demais biomas brasileiros”.
O moderno agronegócio brasileiro tem se desenvolvido principalmente pelo incremento da produtividade e não pela expansão da fronteira agrícola. A frase da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, de que o agronegócio não precisa da Amazônia para crescer, é autoexplicativa.
O problema é que o governo Bolsonaro é a negação de tudo isso. Em matéria de relações externas, de política ambiental, de modelo de exploração da Amazônia e, para acrescentar, em relação à pandemia. Não só nos condena ao isolamento no cenário internacional como age contra os interesses nacionais ao prejudicar nossas exportações.
O Brasil não sairá da condição de pária apenas trocando nomes, embora a substituição de Ernesto Araújo, no Ministério do Exterior, e de Ricardo Salles, no Meio Ambiente, seja condição necessária para romper o isolamento. Não basta mudar para tudo continuar como está. É preciso uma nova atitude e um novo modelo pautado na exploração sustentável e na cooperação. Isso contraria a alma de um presidente que ainda não se livrou dos fantasmas da guerra fria.
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