No primeiro trimestre deste ano, o desmatamento na Amazônia já atingiu um novo nível recorde. De acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), só em abril (em plena pandemia) 529 quilômetros quadrados de floresta foram desmatados – o que representa um aumento de até 171% em relação ao mesmo mês do ano passado. É a maior área desmatada no mês de abril nos últimos 12 anos.
Todas as previsões indicam agora que a situação catastrófica do ano passado vai se repetir quando a vegetação for queimada nos meses de inverno, e dezenas de milhares de focos de incêndio devastarem a floresta. Para o Brasil, os incêndios de 2019 foram provavelmente o maior desastre internacional de relações públicas em sua recente história. Mesmo aqueles no exterior que não estavam interessados em política e não tinham ideia de quem era Bolsonaro passaram a ver o Brasil de forma negativa.
Entre os ambientalistas é de amplo conhecimento que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é o "testa de ferro" de interesses econômicos, como descreveu o jornalista André Trigueiro. Salles não protege a Floresta Amazônica, está praticamente entregando-a à máfia ambiental.
Para satisfazer a clientela, ele usa uma tática que se tornou praxe no governo Bolsonaro: a destruição, por dentro, das instituições estatais. Isso pode ser observado em muitas áreas: na educação e na cultura, na Funai ou na Fundação Palmares. Colocam-se em posições-chave personalidades cuja única qualificação é pertencer ao movimento bolsonarista, que se radicaliza cada vez mais.
Essas figuras executam um expurgo ideológico, que pode ser facilmente comparado à atitude de regimes totalitários. Os demais funcionários de escalões inferiores são ameaçados e desmoralizados, enquanto a tarefa institucional dos órgãos governamentais é revertida. Dessa forma, a Funai deixa de ser uma agência de proteção indígena, sendo transformada numa autoridade de latifundiários e evangelização. A Fundação Palmares está subordinada a Sérgio Nascimento de Camargo, que é chamado de "capitão do mato" pelo próprio irmão.
No caso do Ibama, esse esvaziamento tem consequências concretas e perigosas para os fiscais ambientais em ação. Eles são, frequentemente, atacados por madeireiros, garimpeiros e grileiros, que invadem, destroem e se apropriam de terras da União ou de terras indígenas. Os infratores sabem que contam com o apoio do governo. É um dos exemplos mais claros de como esse governo é falso: ele entrou para combater o crime. Em vez disso, trabalha ao lado dos criminosos.
Isso ficou particularmente evidente quando os fiscais do Ibama prenderam garimpeiros ilegais na Terra Indígena Apyterewa, no Pará, e queimaram suas escavadeiras e bombas d’água ‒ conforme exigido pela lei brasileira. Mas o que aconteceu? O ministro do Meio Ambiente ordenou a demissão do diretor de Proteção Ambiental do Ibama e de dois agentes ambientais que coordenaram as ações. Ficou claro que, à sombra da crise de coronavírus, o "velho" Ibama deveria ser punido por seus esforços.
Dizem que garimpeiros e madeireiros são apenas pobres coitados que tentam sobreviver de alguma forma. Isso é uma meia-verdade: eles são pobres coitados, mas sua miséria é explorada pelos financiadores dos garimpos, das serrarias e da grilagem. Mantem esses homens em condições de semiescravidão – foi assim que vivenciei essa situação no Pará. Portanto, o Ibama não queima as escavadeiras, bombas d’água e motosserras de pobres trabalhadores, mas as dos ricos e distantes investidores. O atual governo protege os interesses dessa máfia ambiental impedindo o Ibama trabalhar.
Mais um exemplo: desde outubro último, está em vigor um decreto que estabelece que multas por ações ilegais como o desmatamento devem ser revistas em audiências conciliatórias. As multas podem ter desconto ou mesmo ser anuladas, e o infrator não é obrigado a respeitar prazos. Dessa forma, o trabalho dos agentes do Ibama acaba sendo totalmente esvaziado e até ridicularizado.
E como deve se sentir um fiscal do Ibama que arrisca a própria vida para proteger o meio ambiente, se depois o ministro Salles cumprimenta desmatadores ilegais em Rondônia e pede desculpas pelas ações dos agentes?
Mais recentemente, Salles assinou uma anistia para grileiros na Mata Atlântica, da qual 75% já foram destruídos. É claro que ele também apoia o Projeto de Lei 2.633 (a antiga Medida Provisória 910 ou "MP da Grilagem"). O próprio Ministério Público Federal diz que esse projeto "não beneficiará os pequenos produtores, mas sim representará mais uma abertura de porta à legitimação da grilagem e da violação de leis ambientais". Graças às pressões de ambientalistas, defensores dos povos indígenas e até redes de supermercados britânicas, que ameaçaram boicotar o Brasil, a lei foi retirada da pauta da Câmara.
Com sua política desgovernada de combate à covid-19, o governo Bolsonaro está cometendo um atentado contra a saúde dos brasileiros. À sombra da crise, ele está destruindo a fantástica natureza do Brasil. Falei recentemente com um funcionário do Ibama que prefere permanecer anônimo. Ele afirma representar um grupo de funcionários da agência ambiental que se encontram "nas trincheiras".
Ele me disse que a execução das leis ambientais não era mais a linha do governo. Ele descreveu a atual situação da seguinte forma: "Eu diria que a intenção principal é estender a presença do governo na floresta. Para isso, ele precisa diminuir o Estado, os servidores que seguem a lei, para colocar pessoas que obedecem ordens independentemente da lei. Com homens de confiança, dispostos a agradar o governo, eles podem ignorar a legislação e saquear a floresta conforme a necessidade. É a criação de uma milícia ambiental, com militares trabalhando à margem da lei."
Parece totalmente coerente nesse cenário que o presidente Bolsonaro tenha acabado de emitir um decreto que transfere temporariamente as decisões sobre operações ambientais para os militares. O Ibama fica, assim, sem competências. A pandemia de covid-19 parece paralisar tudo, exceto a destruição da Amazônia.
Philipp Lichterbeck
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