Além do conteúdo, a forma de expressão das ideias foi chocante. Nem nas arquibancadas do Maracanã, que sempre frequentei, eu vi algo parecido. A ministra Damares, tão preocupada com obras do diabo, não enxergou o capeta sentado bem à sua frente.
Muita coisa foi escancarada nesse encontro. Ficou patente a urgência da aprovação da autonomia do Banco Central. A presença do presidente do BC, tanto no ato de desagravo a Moro, como nessa reunião, na qual fez coro com os descontentes com a mídia, é inaceitável. A independência que Roberto Campos Neto tem demonstrado na condução da política monetária pode ser questionada pela sua participação na vida política. Não é bom.
O show dos liberais de pau oco não passou despercebido. Guedes revelou o que pensa de empresas estatais e privatização. Se não puder servir a meus propósitos políticos, tem de vender essa droga logo, disse ele sobre Banco do Brasil. Se não me serve, vende. Nenhum liberal advoga em favor da desestatização em causa própria. Deve ser por isso que não se viu nenhuma reação sua à entrega do Banco do Nordeste ao Centrão. Foi, enfim, privatizado por Valdemar da Costa Neto.
A inveja do poder de Pedro Guimarães era evidente. Onyx deu de presente à Caixa o monopólio na distribuição dos R$ 600. Sendo de capital fechado, acionistas minoritários não atrapalham, é o que pensam os liberais deste governo. Governança, cuidado com a coisa pública e transparência só servem para atrapalhar. Qualquer semelhança com os governos intervencionistas não é mera coincidência.
Com essa proteção legal, a Caixa aproveitou para expandir sua atuação no segmento digital. Recusou a ajuda de instituições financeiras, mesmo diante das filas nas suas agências. Povo passando necessidade é apenas um pequeno sacrifício para que o banco avance na área das fintechs. De quebra, esse monopólio vinculou o auxílio ao governo. Já vimos esse filme antes. O populismo não tem ideologia.
Para liberais do Bolsonaro, competição só é boa no terreno alheio. Esse governo desmoraliza a desestatização. Não querem nem sabem fazer. E quando a defendem, é pelo motivo errado.
Temos um ministro Nem Nem: nem abertura comercial, nem reforma tributária, nem reforma administrativa, nem privatizações. Nem humanidade.
Em nenhum momento da reunião houve referência aos milhares de mortos ou aos milhões de desempregados, que sofrem com uma total falta de perspectiva, enquanto o governo amplia os estragos sobre a economia e saúde com seu combate terraplanista à quarentena. Em ato falho, o ministro da Economia se refere ao banco de desenvolvimento como “BNDE”, sem a letra S, de social. E, sem enrubescer, apoia os desatinos autoritários de seu colega da Educação. “Ô presidente, esses valores e esses princípios e o alerta aí do Weintraub é válido também, como seu ... Nós tamos aqui por esses valores.”
É a eterna cantilena dos golpistas incompetentes; sempre precisam de mais tempo e liberdade para implantar seu projeto. A culpa é sempre dos outros.
Após a divulgação da queda do PIB no 1.º trimestre, Guedes pediu solidariedade e cooperação, palavras que soam falsas em sua boca. Pede a união da sociedade, não para obedecer ao que recomendam médicos e cientistas, mas para tentar salvar sua biografia, já marcada por promessas e devaneios não cumpridos. Mas podemos ficar tranquilos, porque a recuperação será em V, ainda que um V meio torto, como disse o ministro.
Ninguém está no governo Bolsonaro por acaso. Não surpreende que Salles, Weintraub e Damares não tenham sido demitidos. Surpreende que os demais presentes não tenham pedido demissão. Todos se tornaram coniventes com um protótipo de ditador que estimula a desobediência civil de uma população armada.
Tenho pensado em adjetivos para qualificar o que se passa neste momento no País. O “inacreditável” não dá mais conta.
Lia muito com meu filho quando ele era criança. Sua coleção preferida era uma série de Ziraldo, Corpim, que conta histórias de partes do corpo de forma divertida. O favorito dele era o Joelho Juvenal. A razão era menos a anatomia e mais o adjetivo usado para ilustrar as artimanhas do menino que deixava o joelho todo escalavrado. Meu filho adorava a palavra. Líamos a história repetidas vezes e ele gargalhando com o “escalavrado”.
Hoje, lendo com o neto, lembrei de Juvenal. E, imediatamente, me veio a imagem de uma democracia escalavrada. No dicionário é “o mesmo que: arranhada, golpeada, machucada”. Encontrei meu adjetivo.
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