Mas, saindo das instalações militares e da triagem, a população em movimento é, na sua esmagadora maioria, deixada ao abandono nas ruas, sem quaisquer condições sanitárias ou de alojamento. Para termos uma ideia da situação, basta dizer que esta população não tem acesso a infraestruturas sanitárias, fazendo as suas necessidades fisiológicas em plena rua e abrigando-se debaixo dos poucos alpendres e na estação de camionagem. Para uma cidade que se debatia com inumeras dificuldades a todos os níveis, este aumento inesperado e imenso de população, teve um resultado dantesco, que provocou, inclusivé, a revolta dos moradores.
Pedem muito pouco: apenas uma área onde se possam instalar.
Num país imenso como o Brasil, terra é coisa que não falta.
Mas não sobra para esta tribo, que se vê enclausurada, abandonada e sem quaisquer defesas
Ao assistir todos os dias aos números crescentes das vítimas da Covid-19 e às centenas de mortos enterrados praticamente em valas comuns em Manaus, que dista quase mil quilómetros da pequena cidade de fronteira, não posso deixar de pensar em como será a situação naquela zona!
Com poucos e sobrelotados campos de acolhimento, quer o distanciamento social, indispensável à contenção do vírus, quer a higienização das pessoas e locais é uma quimera! Já o era muito antes da pandemia e embora o número de deslocados tenha vindo a diminuir, o número de infetados e mortos, não pára de crescer, sendo um foco incontrolável da doença.
Uma população já de si fragilizada, com vários grupos ainda mais vulneráveis (crianças e adolescentes desacompanhados, uma vasta comunidade LGBT, mulheres grávidas, idosos…), encontra-se completamente abandonada por quem afirma que a pandemia é uma empolação de caráter económico e que a doença não passa de um mero “resfriado”.
Ninguém fala da situação destes imigrantes e refugiados. Como também ninguém fala da situação dos índios warao, apanhados também nesta vaga de mobilidade fronteiriça, mas que, em bom rigor, não são nem migrantes nem refugiados.
Os Warao, muito embora sejam uma tribo venezuelana, iniciaram já há muito esta mobilidade transfronteiriça, mercê da alteração climática junto do rio Orinoco, que dificulta a sua permanência naquela região. Nómadas por definição, há décadas que se vinham movimentando, desconhecendo divisões administrativas e guiando-se apenas pela sobrevivência no meio da floresta.
Os Warao são, neste momento, o grupo mais vulnerável, dentro dos grupos vulneráveis de Pacaraima. Confinados, de facto, a um único campo, vivem em “redários” que mais não são que dois enormes pavilhões onde se amontoam redes de dormir e onde cada familia tenta estabelecer um limite de espaço onde empilha os seus parcos haveres. A cozinha é comum e ao ar livre. As instalações sanitárias e de água potável são na ordem de um para trezentos.
Esta tribo tem tentado por todos os meios ser reconhecida pela FUNAI, fundação que trata dos assuntos indigenas no Brasil, como pertencendo também às tribos brasileiras, uma vez que, sendo transfronteiriça e movimentando-se no território brasileiro, não tem um espaço geográfico definido.
Pedem muito pouco: apenas uma área onde se possam instalar. Num país imenso como o Brasil, terra é coisa que não falta. Mas não sobra para esta tribo, que se vê enclausurada, abandonada e sem quaisquer defesas em relação a determinadas doenças tidas como comuns para a maioria da população. Ora, face à virulência do vírus que enfrentamos, é fácil de entender que estamos perante uma situação para lá de dramática.
Esquecidos por uns, ignorados por outros e abandonados por todos, os Warao enfrentam não apenas um vírus, mas um verdadeiro genocídio.
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