Com a América Latina transformada num novo epicentro do coronavírus, o Brasil é o país mais preocupante. Os quase 375.000 contágios e mais de 23.000 mortos fazem dele o mais afetado da região e o segundo do mundo em número de casos. Mas a isso se somam uma gestão errática da pandemia e uma grave crise político-institucional, com flertes ao golpismo, o que, além de gravíssimo, desvia a atenção num momento em que o combate ao coronavírus deveria ser a prioridade de toda a classe política brasileira. O presidente Jair Bolsonaro não só age de maneira irresponsável ao ignorar a quarentena como também provocou a demissão de dois ministros da Saúde e boicota os esforços dos governadores para tentar controlar uma epidemia cuja magnitude real se desconhece, porque a quantidade de testes realizados é mínima. A maioria de governadores conseguiu deixar de lado suas diferenças políticas em nome de um consenso básico: seguir as recomendações da ciência. A cada dia, mais UTIs se aproximam do seu limite e mais covas são cavadas nos cemitérios, enquanto o presidente insiste em dar as costas às recomendações dos especialistas, promovendo um medicamento com potencial letal e pressionando as empresas a reabrirem. Aos olhos de Bolsonaro, a única preocupação é com os efeitos da hecatombe econômica, que frustraria uma eventual reeleição em 2022.
A oposição apresentou vários pedidos de impeachment contra ele por sua recusa em administrar a pandemia, mas seu problema mais urgente é uma investigação no STF sobre a suposta ingerência na cúpula da Polícia Federal para proteger a sua família. O vídeo de uma recente reunião ministerial mostra um presidente para quem defender seu clã e armar a população estão acima do interesse geral. As ameaças contra a separação de poderes ali lançadas por alguns ministros são inadmissíveis, e o rosário de insultos vertido pelo presidente constitui uma intolerável afronta às instituições.
Bolsonaro está obtendo apoio parlamentar em troca de cargos, para impedir uma destituição enquanto concede mais poderes aos militares em seu Governo. Estes já dirigem 10 dos 22 ministérios, incluído o da Saúde, interinamente. Mais inquietante é o apoio tácito do presidente aos discursos golpistas de seus seguidores, que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal, e as ameaças veladas pronunciadas por alguns de seus ministros mais próximos. Nas últimas semanas, o ministro da Defesa veio a público em três ocasiões para reafirmar o apego das Forças Armadas à Constituição. Numa democracia consolidada, isso deveria ser desnecessário. O Brasil se encaminha para o pico da pandemia em um contexto político que acarreta graves riscos.
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