Muito me preocupam os cenários econômicos. Não por sua extrema gravidade. Eles me preocupam porque muitas vezes se baseiam em premissas equivocadas, como a de que haverá uma primeira onda — essa que estamos atravessando — seguida de onda mais mansa, ou de uma sequência de ondinhas. É este tipo de premissa que escora as projeções do FMI: a onda forte é agora, no segundo semestre haverá outra, mais fraca, e, depois, vida que segue. Muitos economistas estão seguindo essa linha de raciocínio para justificar suas posições. Alguns resolveram inclusive ignorar já a primeira onda, voltando a apoiar uma agenda de reformas que, francamente, diz respeito a um mundo que não existe mais. Entre esses consta o ministro da Economia brasileiro, que resolveu mudar o tom no momento em que o país entra na fase mais crítica da crise humanitária. Com ele foram os economistas de mercado e todos aqueles que preferem ignorar a realidade. A realidade é que a capacidade hospitalar da cidade de São Paulo está se esgotando. A realidade é que a taxa de mortalidade no Rio de Janeiro entre os mais pobres já é muito mais elevada do que entre os mais ricos. Quem prefere encarnar o surfista alienado cuja imagem ficou associada à música que intitula este artigo — nada contra a música, gosto muito — está, neste momento, agindo de forma imoral. Queiram os economistas ou não, há uma dimensão moral nesta crise que não será esquecida.
Se alguém parasse para olhar os dados brasileiros — que estão subnotificados —, observaria que o número de casos no país está subindo rapidamente a cada dia. O número de mortos já é maior do que o da China. Quando vocês estiverem lendo esta coluna, já teremos superado a China no número total de casos. Não estamos na crista da onda, prestes a nela deslizar com a destreza daqueles que o fazem de forma incansável nas praias do Rio. Estamos no pé de uma montanha cujo pico nos ilude. E do pé dessa montanha resolvemos, de uma hora para outra, ignorar nossos mortos, nossos doentes, os do presente e os do futuro, voltando à ladainha das reformas.
Porque soberano é o vírus, não o presidente da República ou o ministro da Economia.
Cadê a renda básica emergencial, que não chega nas mãos das pessoas? E as filas criminosas em frente à Caixa Econômica Federal para sacar o benefício? O que dizer da ausência de repasses fundamentais para os estados e municípios? O que falar do desembolso de apenas R$ 5 bilhões para o SUS até agora? Como se pode pensar em defender a redução de tributação sobre os bancos neste momento? E por que cargas d’água vamos querer avançar com medidas de austeridade contidas nas reformas se o que precisamos é de mais endividamento público para ao menos atenuar a depressão econômica?
O Brasil nunca viu uma deflação. O modo-padrão é logo morrer de medo de inflação, é dizer que não podemos nos endividar porque cairemos na espiral inflacionária de eras passadas. Mas não. Essa não é mais a realidade. A realidade é uma espiral de queda de preços extremamente danosa para a economia, para as pessoas. Nos vídeos que tenho feito para o YouTube tenho explicado o que é uma espiral deflacionária. Para os leitores interessados, recomendo assisti-los, pois, para nós, brasileiros, é algo inédito. Mas não é algo que, nós, economistas, desconheçamos, ainda que alguns não a tenham visto de perto.
Como uma onda no mar? Não. Como um tsunami a chegar no oceano de ignorância deste desgoverno.
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