sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

No fundo, é só uma questão de liberdade

Há escassas três décadas, a televisão ainda era de canal único, e a internet apenas uma promessa de futuro. Era natural, por isso, nesses tempos, debater o que se “servia” aos telespectadores, dentro até de uma lógica de “serviço público” e quando ainda se acreditava que a TV era um veículo de divulgação cultural. Na maior parte das vezes, como sabemos, essas discussões desenrolavam-se numa troca de argumentos irados e com muitos ódios de estimação à mistura. A televisão – ou melhor, o canal público único – era, então, o centro das atenções e até, tantas vezes, o espelho no qual se refletia o melhor e o pior da sociedade.


O mundo mudou e, hoje, não chegam todas as horas de uma vida para se conseguir visualizar tudo aquilo que passa, em simultâneo num único dia, nas centenas de canais e nas plataformas de streaming e de partilha de vídeos que nos entram pelo aparelho adentro. Há de tudo para todos os gostos e feitios. Dentro de um sistema comercial que funciona radicalmente ao contrário do dos tempos do canal único: agora, o espectador é que tem a liberdade de escolha. Ninguém lhe pode determinar o filme, a série ou o programa de informação a que está “condenado” a assistir, sem alternativas. É o espectador que decide ver aquilo que quiser, às horas que lhe apetecer e com a garantia de que, a qualquer momento, pode mudar de programa, de canal ou até desligar a televisão, o tablet, o portátil ou o telemóvel. Pode ver filmes de arte e ensaio ou blockbusters de Hollywood, como pode assistir a debates intelectualmente estimulantes ou apenas à reunião de um grupo de pessoas a insultar-se mutuamente, apenas porque elas não concordam umas com as outras. Por mais algoritmos que existam à sua volta, sempre à procura de lhe ler os pensamentos ou a condicionar as suas escolhas, ainda é o espectador que tem hoje o poder de decidir o que quer ver. Em liberdade e com as consequências que essa liberdade lhe dá: tanto pode divertir-se como ficar irado ou até ofendido com o programa que decidiu ver. A escolha, num leque quase infinito de opções, foi dele e apenas dele. Quem se sentir ofendido com o humor dos brasileiros da Porta dos Fundos tem, por isso, à sua disposição o melhor remédio de todos: a liberdade de escolher o que quer ver. Mesmo que a palavra “liberdade” ainda seja, para alguns, uma blasfémia.

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