Morreram, diz-se, pisoteados enquanto a multidão fugia de um cerco policial ao Baile da 17, tradicional reunião de jovens da comunidade e vizinhanças. Os bailes funk são a opção de lazer disponível aos jovens pobres Brasil afora.
Os mortos de Paraisópolis são novas vítimas do excludente de ilicitude que vigora no Brasil desde muito e que agora, cinicamente, foi batizado e quer virar lei. Nada mais é do que autorização legal para que agentes públicos maltratem e matem sem responder por isso, sem qualquer punição.
Há quem apoie.
Nenhuma surpresa no país onde o absurdo é cotidiano e a vida é roleta russa para a maioria da população – os mais pobres, aí incluídos os moradores de Paraisópolis/SP. Para milhares de brasileiros, a volta para casa inteiro e vivo, todo dia, merece agradecimento ao divino: Hoje escapei. Glória a Deus!
Irmão siamês do abuso de autoridade, o excludente de ilicitude, ainda na informalidade, também permitiu que quatro ambientalistas, de Auter do Chão, no Pará, fossem presos porque apontados pela polícia civil como suspeitos de queimar a floresta, onde justamente atuam para protege-la. “Para garantir da ordem pública”, alegou o juiz ao autorizar a prisão, que só foi revertida porque a grita foi grande dentro e fora do país.
Por três dias, enquanto o juiz sondava a repercussão, os brigadistas voluntários da ONG Brigada de Auter estiveram em cana com tudo que isso implica – a cabeça raspada é o sinal visível do arbítrio e da humilhação.
Por que o magistrado, que já atuou como advogado da madeireira de sua família, não poderia acatar suspeição da polícia se outros de seus colegas já permitiram e divulgaram escuta telefônica à Presidenta da República?
Resposta: Excludente da ilicitude. Aquele drible gigante na lei só mereceu do Tribunal guardião da Constituição uma repreensão. O juiz virou ministro, defensor do excludente de ilicitude para, finalmente oficializar, a prática corriqueira dos abusos de autoridades.
Quem tolera e defende as ilegalidades oficiais alega que, sem os tais dribles na lei vigente e nos direitos humanos, não haveria – e não haverá – combate à corrupção e ao tráfico de drogas, principalmente.
Nessa toada, a Associação dos delegados da PF vai à Justiça pedir a suspensão da Lei do Abuso de Autoridade, aprovada pelo Congresso em agosto. A justificativa é que tal lei é retaliação da classe política contra a Operação Lava Jato.
Ou seja, no atual momento escuro do país, legalidade é apontada como empecilho – estorvo para que autoridades servidoras das áreas de Justiça e segurança pública possam desempenhar suas funções. Querem, portanto, um salvo conduto para “tocar o terror”, como avisavam agentes da PM paulista dias antes do ataque ao baile funk em Paraisópolis.
Os apoiadores das flexibilizações para condutas de policiais e membros dos organismos fiscais e de justiça esquecem que quando autorizamos ilicitudes, praticadas contra adversários, desafetos, opositores, pobres, negros, índios e etc., também abrimos espaço para que elas, desembestadas, alcancem a todos nós.
Justiça não pode ser vingança. Polícia, em qualquer circunstância, tem que cumprir regras legais de conduta. A ninguém, por nenhum motivo, deve ser permitido não ser alcançado por lei ou tê-la flexibilizada.
As famílias dos mortos em Paraisópolis e as outras muitas vítimas da violência policial no Brasil exigem mais do que condolências. O que aconteceu lá foi chacina. Perpetrado por mocinhos ou bandidos, assassinato é crime. Exige punição. Dentro da lei.
Tânia Fusco
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