sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Um garimpo com suas histórias de crimes. mortes, politicagem e ilusão

No noroeste do Mato Grosso, região da Amazônia que faz divisa com Rondônia, o município de Aripuanã, com cerca de 20.000 habitantes, a 1.000 quilômetros de Cuiabá, capital do estado, se tornou sinônimo de esperança para centenas de pessoas. Em outubro de 2018, de acordo com sites de notícias da região, um agricultor se deparou com uma rocha que parecia ter algo incomum. Depois de algumas horas, arquivos de áudio começaram a circular entre grupos virtuais: “O cara estava plantando arroz na beirada de um córrego e subindo lá achou uma pedra meio esquisita e foi mexer. Tinha um mais inteligente um pouquinho, foi com uma máquina lá e já meteu a escavadeira, começou no domingo”. A pedra era ouro.


Em menos de uma semana, 2.000 pessoas chegaram ao local indicado para verificar se a história era verdadeira. Com a força de uma multidão, garimpeiros experientes e amadores invadiram a área, dentro da Fazenda Dardanellos, a 11 quilômetros do centro de Aripuanã, e começaram a escavar na base da picareta. Ao ganhar o título de “Nova Serra Pelada”, assim como tantas outras promessas em referência ao maior garimpo a céu aberto do mundo, no Pará, máquinas começaram a chegar e a prática se consolidou. Vídeos do local, com homens, mulheres e crianças acampados debaixo de lonas, prometiam acesso garantido ao sonho dourado.

Em pouco tempo, a Polícia Federal começou a investigar a extração e o comércio ilegal de ouro no Mato Grosso. A Operação Trypes foi deflagrada em setembro, quando 60 policiais federais cumpriram 16 mandados de busca e apreensão, dois mandados de suspensão de atividade econômica, dois mandados de bloqueio de contas e seis mandados de prisão preventiva. A segunda etapa foi desencadeada no dia 7 de outubro com o objetivo de encerrar o garimpo ilegal de Aripuanã. De acordo com a PF, além do impacto ambiental, o município começou a sentir problemas sociais, como o aumento do índice de homicídios, de tráfico de drogas e de prostituição. No confronto entre garimpeiros e policiais, uma pessoa morreu.

A promessa de lucro rápido, dentro de um Brasil onde a diferença de renda entre pobres e ricos bateu recorde em 2018, se disseminou com a potência das fake news nos grupos virtuais. Conforme a multidão foi chegando, garimpeiros fizeram vídeos para mostrar a dura realidade da busca pelo minério. Em 2018, reportagens relataram que a maior vala tinha 12 metros de profundidade e corria o risco de desabar – em junho deste ano, um homem morreu soterrado após a terra ceder dentro de um buraco de 8 metros. Cada 40 ou 50 quilos de terra escavados rendiam algo perto de meio grama de ouro. Os garimpeiros tiravam pouco mais de 70 reais por saco. Uma tonelada de escavação poderia equivaler a 1.500 reais. Sem água disponível no local, tudo era transportado em caminhões e caminhonetes. Mercúrio para separar o ouro da rocha já estava começando a poluir os córregos da região.

Este é apenas um caso que ilustra as tensões ao redor de uma região de garimpo. Um mapa divulgado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), em dezembro de 2018, mostrou como o garimpo ilegal se espalha na Amazônia boliviana, brasileira, colombiana, equatoriana, peruana e venezuelana. Além disso, foram identificados 2.312 pontos e 245 áreas de garimpo ou extração de minerais, como ouro, diamantes e coltan. Foram mapeados 30 rios afetados pela atividade ou por rotas para a entrada de máquinas, insumos e pela saída de minerais.

Um ano depois da abertura do garimpo em Aripuanã, os áudios que circulam nos grupos têm outro tom. Ao identificarem veículos de fiscalização do ICMBio e do Ibama, as mensagens reproduzem planos para ameaçar os fiscais do meio ambiente. Nas últimas semanas, garimpeiros participaram de reuniões com o governo federal para apresentarem demandas. Uma das principais reivindicações é o fim da queima de maquinários, prática utilizada quando a atividade acontece de forma ilegal. O governo vem se mostrando favorável a atender às reivindicações e afirmou que apresentará uma proposta para liberar a mineração dentro de terras indígenas. Sob a justificativa de que a atividade já acontece e que precisa ser regulamentada, não há um olhar para os problemas sociais e ambientais vinculados ao garimpo e à mineração.

Nenhum comentário:

Postar um comentário