Deve-se o fenômeno às relações perigosas da família Bolsonaro com milicianos. Para evitar que uma dificuldade aparentemente pequena se torne crítica e passe a influenciar o rumo do governo, Bolsonaro precisaria acender a luz de casa. Mas ele não parece disposto a fazê-lo.
Eis o que foi ao ar em horário nobre: no dia do assassinato de Marielle, um suspeito de participar do crime entrou num condomínio para visitar um comparsa, acusado de puxar o gatilho. Alegou na portaria que iria à casa de Bolsonaro, localizada no mesmo conjunto habitacional. Em depoimento à polícia, o porteiro disse ter obtido pelo interfone autorização do "seu Jair" para a entrada do visitante.
O livro de controle de acessos anota o nome do suspeito, a placa do carro e o número da casa de Bolsonaro: 58. Naquele dia, esclareceu a reportagem, Bolsonaro estava em Brasília. Registrou presença na Câmara. Divulgou vídeos nas redes sociais. A guarita do condomínio dispõe de equipamento que grava as comunicações feitas via interfone. A polícia tenta recuperar o áudio, para descobrir com quem, afinal, o porteiro conversou na casa de Bolsonaro.
A situação exige claridade e serenidade. Mas Bolsonaro, numa transmissão ao vivo pelas redes sociais, ficou fora de si. Com isso, tornou-se mais fácil enxergar o que o capitão tem por dentro: muita raiva e um enorme apreço pelo breu. A irritação compromete o discernimento de Bolsonaro, impedindo-o de perceber que o nome da crise não é imprensa, mas família Bolsonaro.
A novidade chega num instante em que Fabrício Queiroz, um policial militar que trabalhou com os Bolsonaro, envia pelo WhatsApp sinais de que se considera abandonado. Ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio, Queiroz ainda não forneceu ao Ministério Público do Rio uma explicação que fique em pé sobre suas movimentações financeiras.
Amigo de Queiroz, o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, da PM do Rio, teve a mãe e a mulher pendurados na folha salarial do gabinete de Flávio Bolsonaro. Apelidado de "Caveira", o oficial Adriano foi expulso da corporação. Comandava uma milícia em Rio das Pedras. Está foragido.
É contra esse pano de fundo que a polícia civil do Rio encosta na biografia de Bolsonaro um letreiro de neon com o nome de Marielle. A novidade mistura-se aos passivos que não saem das manchetes.
Acusado de peculato e lavagem de dinheiro, Flávio Bolsonaro percorre os corredores do Senado como se nada tivesse sido descoberto sobre ele. Superblindado por duas liminares do Supremo —uma de Dias Toffoli, outra de Gilmar Mendes, o primogênito toma distância de Queiroz: "Não falo com ele há quase um ano". Bolsonaro ecoa o filho.
Afora os crimes de peculato e lavagem de dinheiro atribuídos a Flávio e a rachadinha administrada por Queiroz, o Ministério Público do Rio esquadrinha a folha do gabinete de Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, na Câmara Municipal do Rio. Recolheram-se indícios de que funcionava ali outro ninho de ilegalidades funcionais.
Num ambiente assim, presidente que se queixa da imprensa soa como capitão de navio que reclama da existência do mar. Só Bolsonaro sabe o tamanho real do buraco em que ele e sua família estão metidos. Toda crise tem um custo. O presidente precisa decidir quanto deseja pagar. A fatura vai aumentando com o tempo.
Em tese, Bolsonaro ainda dispõe de três anos e dois meses de governo. Não há blindagem que dure tanto tempo. Melhor acender a luz, nem que seja num dos cômodos: o quarto das crianças.
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