Em 5 de maio de 2011, ao final de um julgamento que durou dois dias, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre casais do mesmo sexo como uma unidade familiar. Relator do processo, o então ministro Ayres Britto, hoje aposentado, argumentou que a Constituição veda em seu artigo 3º, inciso IV, qualquer discriminação em virtude de sexo, raça e cor. Em consequência, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual.
O voto de Ayres Brito foi acompanhado pela unanimidade dos ministros presentes à sessão. Seguiram o relator: Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Cezar Peluso, Cármen Lúciae Ellen Gracie. Com essa decisão, excluiu-se do artigo 1.723 do Código Civil brasileiro o significado que gestores públicos e magistrados invocavam para negar direitos a casais gays.
Eis o que anota o artigo 1.723 do Código Civil: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". A decisão da Suprema Corte invalidou o trecho que menciona "o homem e a mulher". Nas palavras de Ayres Britto, "o sexo das pessoas não se presta para desigualação jurídica". Na prática, a gestão Bolsonaro quer ressuscitar conceitos juridicamente mortos.
Em dezembro do ano passado, apenas 19 dias antes da posse de Bolsonaro, o Supremo recebeu o certificado MoWBrasil 2018, oferecido pelo Comitê Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da Unesco, braço da ONU para as áreas da educação, da ciência e da cultura. A decisão que reconheceu a família homoafetiva foi classificada como "patrimônio documental da humanidade". Ayres Britto recebeu a honraria em nome do Supremo. Ironicamente, a cerimônia foi realizada numa entidade com vínculo militar: o Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, no Rio de Janeiro.
Nos últimos três meses, informa o repórter Jamil Chade, a diplomacia brasileira passou a vetar nas resoluções da ONU termos como "gênero". Sob nova direção, o Brasil atrasa seu relógio para aliar-se a governos ultraconservadores do Oriente Médio num esforço para barrar documentos que tratem de "educação sexual". Quebra lanças para arrancar dos textos a expressão "igualdade de gênero". Aos pouquinhos, a gestão Bolsonaro vai escorregando do conservadorismo para o arcaísmo.
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