Uma das bandeiras da campanha eleitoral de Bolsonaro que lhe deram 57 milhões de votos, dos quais já se evaporaram, desiludidos, mais de 30%, era a de acabar com a reeleição presidencial. No entanto, uma vez eleito, sua maior preocupação é como devorar quem poderia lhe fazer sombra ou ousar enfrentá-lo no duelo de 2022, se conseguir chegar lá politicamente incólume.
Antônio Conselheiro e a República (Angelo Agostini) |
A nova manifestação popular no domingo passado, que não foi uma vitória, mas tampouco um fracasso, deveria ter sido em apoio a sua Presidência, o que indica que Bolsonaro ainda tem uns 30% de seguidores radicais dispostos a ir com ele até o final. Não pude deixar de observar, porém, que os manifestantes exaltaram mais a figura de Sergio Moro, seu ministro da Justiça, o mítico juiz da Lava Jato, do que a dele. E alguns, como observou a colunista da Folha Daniela Lima, viram no tuíte de Moro comentando as adesões à sua figura –"Eu vejo, eu ouço, eu agradeço"– um "eco messiânico" a suas aspirações de poder suceder a seu padrinho. É como se dissesse: "Estou vendo, através do seu apoio, o que Deus quer de mim".
Isso tudo no momento em que todo o desempenho do jovem juiz começa a ficar sob suspeita por causa das revelações de supostas conversas dele pouco republicanas, e talvez até mesmo delituosas, que dariam a entender que forçou, por exemplo, a condenação de Lula para impedi-lo de disputar eleições que, de acordo com as pesquisas, teria ganhado. Sua renúncia como juiz para ser ministro da Justiça do novo presidente Bolsonaro, que certamente não teria chegado ao poder se Lula não tivesse sido impedido de entrar na disputa, está sendo vista como uma preparação de Moro para voos políticos mais altos.
A grande incógnita será, no entanto, a reação de Bolsonaro, valente agora, depois de ter descoberto que nasceu, sim, para ser presidente e foi escolhido pelo Altíssimo. Estaria determinado a permanecer no leme, custe o que custar, caia quem for preciso, incluindo alguns militares do Governo? Não vamos esquecer que Bolsonaro se empolga com guerras e batalhas. Poderia querer imitar o que Elio Gaspari, um dos mais afiados colunistas políticos neste país, criticou do então presidente Lula, em seu antológico artigo Lula, o urso que come os donos, de 9 de novembro 2005.
Segundo o jornalista e escritor brasileiro, Lula teve desde seus primeiros anos do sindicato a astúcia de ir devorando todos os que considerava seus possíveis donos e sucessores, até culminar no caso mais evidente da saída de seu primeiro governo de seu ministro e sucessor predestinado José Dirceu, ideólogo e várias vezes presidente do partido, e que acabou na prisão acusado de ser o responsável e criador do escândalo do mensalão, enquanto Lula não só saiu ileso, como voltou a ser eleito.
É verdade que Lula sempre teve a habilidade política de saber conter as ânsias de seus possíveis sucessores, não só no Governo, mas também no próprio partido, que continua a dominar até mesmo da prisão. Só que em Bolsonaro o que falta é precisamente este feitiço dessa força política inata de Lula, capaz de todos os malabarismos para se manter à tona.
Bolsonaro foi eleito em grande parte com os votos daqueles que não queriam que continuasse governando um partido como o PT, com seus chefes condenados por corrupção, e prometeu em sua campanha que, com ele, Lula iria “apodrecer na cadeia". Não acho que vai conseguir. Os messiânicos Bolsonaro e Moro não deveriam menosprezar a capacidade quase infinita do ex-torneiro mecânico Lula para continuar fazendo política enquanto tiver vida. Que não se esqueçam que o velho e astuto ex-sindicalista está ferido, mas continua vivo e com dentes ainda suficientemente fortes e vontade louca de engolir quem se atreveu a enjaulá-lo.
E, no entanto, se há uma coisa de que o Brasil necessita hoje, não é de nenhum Messias, mas de alguém que reorganize o país, faça avançar de verdade sua economia, ofereça trabalho digno aos 13 milhões de desempregados, não restrinja a criatividade nem sepulte a cultura, e não pretenda humilhar nem militarizar a educação. Alguém que trace um plano sério, científico, sem messianismos, para relançar um novo pacto social capaz de frear a hemorragia de uma sociedade que está resvalando para novos tipos de pobreza que a humilham e envenenam política e espiritualmente.
Se me perguntam que presidente eu gostaria de ver neste Brasil vivo e interessante, mesmo com todas as suas loucuras políticas, eu responderia que preferiria alguém simplesmente “normal”, sem mensagens divinas nem escatológicas, que não precise ser notícia todos os dias. Um presidente normal, de quem até nos esqueçamos do nome, mas que ajude o país a caminhar sem aflições nem sobressaltos populistas, a se enxertar nos países que entenderam que o mundo já é outro. Que compreenda que termos como “velhas e novas políticas”, assim como ideologias carcomidas de direita ou esquerda, ficaram pequenas e incompreensíveis para milhões de jovens que já vivem uma realidade em que a nossa lhes deve parecer, e com razão, de outro planeta.
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