quinta-feira, 4 de julho de 2019

Coerência de Bolsonaro é roleta-russa sem bala

Para Jair Bolsonaro, a coerência parece ser apenas um outro nome para oportunismo. Na reforma da Previdência, o capitão tratou a excepcionalidade dos militares num projeto à parte, entregou à Câmara uma emenda constitucional sobre o resto dos mortais e avisou: "A bola está com o Congresso". Instado a ajudar no esforço para atrair os governadores, informou que não moveria uma palha. Súbito, os policiais chiaram. Exigem tratamento especial, na linha do que foi dispensado aos militares. Percorreram Brasília gritando que Bolsonaro é "traidor".


Impressionado com a algaravia, o presidente da República dobrou os joelhos. Pôs-se a telefonar para parlamentares, entre eles o relator da Previdência, deputado Samuel Moreira. Nesta quarta-feira, ao chegar para uma solenidade do Exército, em São Paulo, deparou-se com um grupo de policiais militares. E protagonizou algo muito parecido com uma versão verbal de um cavalo de pau: "Vou resolver o caso de vocês, viu?" De repente, o que parecia um passe virou bola dividida. Bolsonaro e o seu PSL unem-se numa conspiração contra a reforma do próprio governo.

A naturalidade com que o presidente muda de convicção torna um suplício a rotina do ministro Paulo Guedes, condenado a administrar seus barulhos e seus silêncios. Quando os deputados desidrataram sua proposta, o Posto Ipiranga gritou: "Abortaram a nova Previdência". No instante em que o chefe tenta beliscar mais um pedaço, ouve-se na pasta da Economia um silêncio de velório.

Ao discursar na solenidade do Exército, Bolsonaro disse que Executivo e Legislativo devem adotar proposições que "fujam do populismo". "A reforma da Previdência atenderá a todos", declarou, antes de se dirigir aos policiais: "Fiquem tranquilos meus colegas das forças auxiliares. O sacrifício tem que ser dividido para todos, para que possamos colher os frutos lá na frente".

No mesmo discurso, Bolsonaro afirmou que "o Brasil melhor para todos" é algo que "tem que sair do discurso fácil de político". Maltratados pelo capitão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e os líderes do centrão já não conseguem reprimir uma espécie de sorriso interior. Avaliam que o presidente discursa como quem brinca de roleta-russa movido pela certeza de que a coerência que manipula está completamente descarregada.

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