A poesia do sonho de Bolsonaro foi imediatamente um prato cheio para os humoristas. Não seria melhor chamá-la de PESO MORTO ou também PELADONA, mistura de Pelé e Maradona? A moeda dos sonhos do Presidente já tem nome. Ele, cujo lema é “Brasil acima de tudo”, não pôde nomeá-la. No “peso real”, a moeda argentina aparece à frente da do Brasil. Por que, dadas as dimensões dos dois países e as diferenças econômicas que os separam, não poderia se chamar então “real peso”?
Eu imaginei que se pedíssemos aos brasileiros que mais sofrem com a crise econômica nesse momento e têm medo de seu futuro, uma lista de 20 sonhos que desejariam poder realizar, em qual lugar apareceria o da moeda única com a Argentina. Teria uma boa surpresa.
Se o Presidente quisesse emular o sonho de Luther King poderia aumentá-lo para que não só os filhos dos velhos escravos e dos velhos patrões pudessem se sentar em uma mesma mesa. Poderia sonhar com um Brasil onde possam viver em paz, sem violências, respeitando-se pessoas de diferentes cores de pele e diferentes preferências sexuais. Poderia sonhar com um Brasil em que todos as crenças religiosas sejam respeitadas, em que as crianças nas escolas aprendam o gosto pela liberdade, pela democracia, sem agredirem-se pensando em resolver seus conflitos com um abraço em vez de uma arma.
Melhor do que esse sonho tão pequeno que não acho que tenha emocionado alguém, Bolsonaro, com o poder de seu cargo, poderia sonhar algo melhor para aliviar o coração dos que sofrem a discriminação e o esquecimento. Dos que já nem se lembram do que significa sonhar. E poderia começar por ordenar uma pesquisa nacional em que os pequenos e grandes, homens e mulheres, pessoas do asfalto e do barro das favelas lhe apresentem uma lista do que gostariam que fossem os sonhos do Presidente para suas vidas duras.
Quando os que governam um país não conseguem entender que seus sonhos não passam de insignificâncias incapazes de acabar com a dor, a discriminação e a solidão de milhões dos que são lembrados somente no momento de pedirem seu voto, não devem estranhar que um dia, cansados do esquecimento em que são lançados, em vez de sonhos devolvam seus pesadelos carregados de raiva e violência.
O sonho do Presidente do Brasil apaixonado por essa moedinha argentino-brasileira enquanto não consegue realizar outros sonhos libertadores para os 207 milhões de brasileiros dos quais deveria sentir, como responsável do país, o peso de suas necessidades essenciais, não é mais do que uma bolha de sabão. Não deveria estranhar que um dia receba a cobrança do desencanto dos que se sentem enganados. Ou já está acontecendo, arrependidos de terem dado a ele seu voto de confiança que hoje sentem atraiçoada?
Quando os sonhos dos que deveriam e poderiam aliviar a dor das pessoas e assegurá-las o direito a viver sem impor a elas suas crenças autoritárias e discriminatórias são vistos mais como piada do que como esperança, lembram a ironia do famoso escritor espanhol Calderón de la Barca, que já no século XVII em de seus dramas escreve esse solilóquio:
“Sonha o rei que é rei, e segue,com esse enganomandando,ordenando egovernando;e esse aplauso, querecebeemprestado, no ventoescreve,e em cinzasa morteo transforma,grandedesgraça!Que há quemtente reinar,vendo que é precisodespertarno sonho damorte?”Juan Arias
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