Um ataque de pusilanimidade me fez driblar a entrevista. Mas não consigo fazer o mesmo com minha consciência.
O problema das Ciências Sociais é estudar coisas que todos experimentam. Quem não tem opinião sobre sexualidade, religião, política, pobreza e corrupção? Mas quantos buscam compreender tais assuntos com distanciamento?
As Ciências Sociais contrariam o senso comum e investigam temas e assuntos proibidos. Um exemplo forte é a sexualidade infantil estudada por Freud, um outro é a transição do lucro como paixão escusa a investimento produtivo num universo de múltiplos interesses que, leiam Albert Hirschman, bloqueia despotismos.
Por outro lado, quem não pensa em transformar a vida dos pobres e oprimidos, sobretudo num Brasil onde eles fazem parte da vida de cada um de nós? Seja como ricaço ou miserável; cidadão comum ou celebridade com o direito a escapar da terrível igualdade republicana? Quem não se preocupa com o mínimo de bens e serviços obrigatório para todos os brasileiros?
O coração ideológico da consciência política da minha geração, formada no final dos anos 50, foi o marxismo. Um marxismo lido em traduções de edições russas censuradas. Lembro que essa geração da Guerra Fria — condescendentemente chamada de “geração Coca-Cola” — não falava apenas de “direita” e “esquerda”. Ela ia além, classificando as pessoas como “conscientizadas” e “alienadas”. Os pais eram alienados, as mães — católicas e preocupadas com os pobres — pré-conscientizadas. Fui contaminado por Karl Marx e pelo pouco falado Friedrich Engels quando entrei na faculdade. Quem, aos 20 anos, não tem o direito de se deslumbrar com o Manifesto Comunista e vibrar com o fim da opressão encontrando, de quebra, a chave-mestra da História da Humanidade?
Foi o protomarxismo mais evolucionista do que funcionalista (o Marx do 18 Brumário e o da Questão Judaica) que me levou a perceber o Brasil que gravitava em minha volta. Brasil com o qual, como aprendiz de antropólogo do Museu Nacional, entrei em contato quando vi o seu lado mais fundo e dramático — suas sociedades indígenas que, mesmo com a tal “proteção oficial”, estavam sendo dizimadas enquanto os sertanejos reclamavam de injustiça.
Foi, pois, o altruísmo contido no “comunismo” que me levou a essa identificação com um Brasil a ser transformado. Não abandonei esse comunismo até hoje entrelaçado ao meu amor pelo Brasil.
O que abandonei foi a infantilidade dos radicalismos. Do “esquerdismo” nas suas versões radicais e patologicamente malandras e populistas. Um posicionamento cujo pendor acusatório e condescendente, ressentido e repleto de má-fé (aos nossos, tudo; aos inimigos, o berro, a negação, a mentira e a calúnia!) reproduz o autoritarismo fascistoide do regime militar. A prova do pudim foi (como ocorre em todo lugar) a chegada ao poder, pois nada é mais revelador do que o poder.
O esquerdismo irresponsável produziu o contexto polarizado que vivemos. Pode-se controlar excessos, mas enjaular o “marxismo cultural”, cujo espírito marca toda uma época, seria como tentar colocar de volta a noite na Caixa de Pandora. Do mesmo modo, não há como carimbar o liberalismo como um paraíso de rentistas ladravazes. Basta pensar na filantropia e no mercado como um equalizador de interesses pulverizados — esses produtores de meritocracia coletivista. Por outro lado, o comunismo recria o individualismo capitalista quando se reconhece o talento dos seus líderes. Senão ninguém falava em Stalin, Lenin, Mao e Fidel.
O que não pode ocorrer é a tentativa de eliminação suicida da esquerda pela direita. Deveríamos ter aprendido que a democracia tanto como um regime político e, acima de tudo, como um estilo de vida, precisa dos dois lados que nela concordam em discordar. Direitas e esquerdas perfeitas — que deixam saudade! — só ocorrem nas ditaduras que, lamentavelmente, conhecemos bem demais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário