sexta-feira, 24 de maio de 2019

Convocada por Carlos Bolsonaro, a manifestação coloca o governo numa tremenda fria

Jamais existiu um governo tão esquisito como este início de gestão de Jair Bolsonaro. O presidente está animado com os atos públicos convocados para todo o país e afirma que se trata de “uma manifestação espontânea da população”. Mas na verdade não foi bem assim que essa estranha iniciativa surgiu.

O mais curioso é que até agora ninguém tenha procurado saber quem foi o autor dessa “convocação cívica”, digamos assim. Se fosse na Escolinha do Professor Raimundo, o personagem Aldemar Vigário perguntaria: “Quem? Quem?”. E a classe inteira responderia, em uníssono: “Raimundo Nonato!!!”.

Como se sabe, atendendo a insistentes pedidos da ala militar, reforçados pessoalmente pelos comandantes das Forças Armadas no último dia 7, o presidente da República enfim deu ordem aos filhos e a Olavo de Carvalho para que não mais criticassem os ministros, especialmente os militares, nem demonstrassem que têm influência no governo.

O guru virginiano e os três Zeros acataram a ordem, porque afinal entenderem que tinham levado o presidente ao limite e os próprios apoiadores de Bolsonaro já não aguentavam mais as intromissões e a desfaçatez dos três mosqueteiros que eram quatro.

Mas a saída de cena foi apenas uma retirada estratégica, porque a trupe disfarçadamente continuou no palco, agindo nos bastidores, com os personagens agora ocultos atrás das cortinas.


E foi o filho Zero Dois, Carlos Bolsonaro (ele, sempre ele…) que se encarregou de mobilizar as redes sociais para convocar o ato deste domingo 26, em resposta às manifestações estudantis do último dia 15.

O presidente adorou a ideia, sem perceber que havia motivos demais – repúdio à Câmara e ao Senado, com fotos de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre em cartazes da convocação; condenação ao Supremo, pedindo impeachment de Gilmar Mendes e Dias Toffoli; além de apoio ao combate à corrupção, ao pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e à Lava Jato, numa salada mista que colocava o governo Bolsonaro contra todos os inimigos possíveis e imagináveis, incluindo no rolo alguns importantes aliados.

A convocação para um linchamento generalizado realmente pode atrair multidões, mas será que isso interessa ao governo Bolsonaro e será positivo para ele? Ou na segunda-feira o presidente e o núcleo duro do Planalto terão de se dedicar a apagar focos de incêndio causados por fogo amigo?

É por isso que personagens importantes no esquema do governo se posicionaram contra a manifestação, como o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que criticou o presidente por pretender demonizar a política; a deputada Janaina Paschoal, do PSL, que pediu a Bolsonaro que parasse de “fazer drama” e se dedicasse ao governo; o deputado Luciano Bivar, presidente do PSL, que comandou o movimento para que o partido não apoiasse oficialmente a manifestação; e a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), que vai participar, mas criticou a tentativa de partidarizar ato público.

O fato concreto é que, ao convocar a manifestação usando seu esquema nas redes sociais, o filho Carlos Bolsonaro errou mais uma vez e colocou o pai novamente em situação muito delicada, pois ao governo não interessa confronto com o Congresso nem com o Supremo.

Aliás, não foi por mera coincidência que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, criticou nesta sexta-feira “as posturas antidemocráticas” de figuras do ”entorno” do chefe do governo, alertando que “o setor privado não investe em ditaduras”.

Em tradução simultânea, enquanto não se livrar mesmo da influência dos três Zeros e do guru virginiano, o governo de Bolsonaro vai viver em permanente crise. E nem precisa ter oposição, porque os maiores inimigos desfrutam da intimidade do presidente e julgam terem sido eleitos para governar junto com ele, na condição de príncipes-regentes.

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