Tremenda aposta arriscada dada a inabilidade e a falta de apetite do presidente em negociar com o Congresso, o fraquíssimo ministro da Casa Civil e a ausência de base governista. Bolsonaro foi eleito com legitimidade para mudar muito mais que as regras da aposentadoria. Na campanha, vendeu a imagem de um presidente que iria impor um programa liberal na economia e delegou a tarefa ao seu Posto Ipiranga. Acreditou quem quis.
O presidente só tem sido fiel à agenda conservadora, usando seu poder até para editar decretos inconstitucionais, como o de porte de armas. Se estivesse de fato convencido da importância de reformas liberais, teria mostrado o mesmo empenho com que vem impondo o retrocesso nos costumes. Mas, como previsto, ele não deixou para trás sua vocação intervencionista e nacionalista.
A fixação na Previdência não é apenas uma estratégia política equivocada, é também um erro na condução da política econômica que ficou nesse samba de uma nota só.
O ministro Guedes tenta passar a ideia de que tem um plano, mas o anúncio de números irrealistas acaba tirando sua credibilidade. É um governo obcecado pelo trilhão. Venda de estatais, venda de imóveis da União, reforma da Previdência, a nova taxa imobiliária, tudo vai dar trilhão. Até o assessor para assuntos internacionais diz que a patética visita de Bolsonaro a Dallas vai gerar trilhões e trilhões de investimentos no Brasil.
Se negociar com Congresso está fora de questão, há medidas importantes que só dependem do Executivo. Privatização e abertura comercial, por exemplo. Mesmo que não tenham impacto de curto prazo, seria um conjunto de propostas na direção de menos Estado e mais competição, aumentando eficiência e produtividade na economia.
Há uma agenda que parece contar com apoio do presidente: a desburocratização. Recentemente, o governo editou a MP da Liberdade Econômica e foi muito aplaudido. O título parece inspirado em projeto de lei que vinha sendo defendido por acadêmicos, mas a medida provisória é bem diferente e não atende aos objetivos propostos. Parece um texto feito sem convicção liberal, porque cria ressalvas ao exercício da liberdade e delega poderes de intervenção a autoridades indefinidas. Seu art. 3.º traz alguns desses problemas de forma clara. O inciso IV estabelece tratamento isonômico na obtenção de licenças, o que não é nada de novo, pois o princípio da igualdade já existe. Uma declaração formal retórica, que não acrescenta nada, mas gera insegurança jurídica ao submeter a isonomia a um regulamento administrativo, a ser definido. A igualdade não pode ser definida por regulamento. Um atalho indevido e perigoso.
Quando trata da liberdade de preços, em seu inciso III, a indefinição de conceitos pode causar maior intervenção, gerando resultado oposto do pretendido. Permite à “autoridade competente” a fixação de preços em “situação de emergência e calamidade pública”.
Hoje há algumas leis federais que definem preço, a do tabelamento do frete é uma delas. O ideal é que fossem reduzidas ao mínimo, se não puderem ser eliminadas por completo. A MP vai na direção contrária. Abre espaço para muitas intervenções. A ressalva no inciso dispensa a necessidade de lei federal, basta uma declaração de autoridade competente. Como geralmente calamidade pública é declarada por Estados e municípios, qualquer prefeito poderá definir preços locais. Crivella, por exemplo, está com poder dado pela MP para estabelecer quaisquer preços no Rio. Em casos de “emergências”, agências reguladoras poderiam modificar preços de contratos, criando mais insegurança regulatória.
Mas o mais grave mesmo está no § 1.º que excepciona toda a liberdade econômica em “hipóteses que envolverem segurança nacional, segurança pública ou sanitária ou saúde pública”. E ainda afasta o princípio de motivação prévia dos atos administrativos. Um verdadeiro estado de sítio na economia
Se a intervenção de Bolsonaro nos preços da Petrobrás mostrou seu lado populista, a excepcionalidade criada pelo § 1.º da MP, dando amplos poderes para intervenção no domínio econômico, mostra seu lado autoritário. Tanta pressa e empenho do presidente na edição da MP já dava para desconfiar do seu teor liberal.
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