quarta-feira, 29 de maio de 2019

Atos de domingo consolidam 'bolsonarismo' como o lulismo e o chavismo

Um mar de bandeiras e camisas verde-amarelas tomou conta das principais avenidas do Brasil. De trilha sonora, o hino nacional. Em carros de som, gritos contra o PT e os comunistas e o esclarecimento de que "nossa bandeira jamais será vermelha". As cenas poderiam ter sido em qualquer momento de 2015, quando atos pediam a saída de Dilma Rousseff do poder, mas aconteceu no último domingo. Ao contrário de quatro anos atrás, quando não tinham um líder definido, as de agora, entretanto, tinham nome e sobrenome: Jair Bolsonaro. Mais do que lotar as ruas do país —os atos de domingo foram menores que os pela educação na semana passada—, o grande trunfo do presidente brasileiro no domingo foi conseguir com sucesso se converter em um fenômeno sociopolítico, ao se apropriar de um movimento anterior a ele, e aglutinar sob seu nome uma base com uma identidade política consolidada e alinhada à direita, observam especialistas.


"É o fortalecimento de um projeto populista", define o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía. Segundo ele, o sucesso das manifestações em apoio ao presidente mostram que ele tem uma forte base de apoio ligada diretamente à sua personalidade. Baía analisa que o núcleo bolsonarista duro foi às ruas para mostrar, em primeiro lugar, um "apoio integral" ao presidente e abraçou de forma mais secundária pautas como a defesa à reforma da Previdência, o apoio ao pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e mesmo as críticas ao Congresso Nacional e ao Judiciário.

O cientista político diz que o bolsonarismo tem semelhanças ao lulismo, mas é mais similar a fenômenos como o chavismo na Venezuela e o peronismo na Argentina. "São movimentos que dispensam organizações clássicas da sociedade, falam diretamente com a população e utilizam de maneira genérica a ideia de um nacionalismo", explica. Baía salienta que esse nacionalismo não é reproduzido de forma conceitual, mas se configura sob uma perspectiva mais ufanista, com o uso de símbolos como a bandeira nacional e o hino, além do slogan Brasil acima de tudo. "É uma ideia de nação que eles têm, centrada no combate à corrupção, que é o principal eixo deles, mas também na ideia antissistema, que coloca o PT, o lulismo e o centrão como componentes do sistema e corruptos. E eles se colocam como a antítese disso", afirma.

O movimento que ganha contornos mais definidos politicamente em torno da figura de Jair Bolsonaro é anterior a ele. Nasce de simbologias e temáticas levadas às ruas desde que pequenos movimentos como o Nas Ruas começaram as campanhas contra o Partido dos Trabalhadores (PT), em 2011. O antipetismo cresceu desde então, um tanto durante as manifestações de 2013 e muito mais em 2015, quando foram realizados os atos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Os manifestantes intensificaram, nas ruas, o uso de símbolos como a bandeira verde-amarela e o canto do hino nacional, além de defenderem mais veementemente pautas anticorrupção e antissistema.

"Agora [o movimento] se dividiu em três alas: liberal, conservadora e autoritária. A liberal apoia o Governo, mas não foi à rua neste domingo. Isso mostra que o apoio a Bolsonaro é mais amplo do que o que ali estava. De outro lado, os subcampos autoritário e conservador mostraram que têm força própria", analisa a socióloga e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Angela Alonso, que estudou as manifestações brasileiras ocorridas a partir de 2013. Segundo ela, esses grupos têm em comum a adesão sólida a um conjunto de valores nacionalista e autoritário. "Isto não é um produto do Bolsonaro, mas veio à tona com ele", pondera.

A base social bolsonarista evoluiu juntamente com a comunicação interna desse mesmo grupo, em meio a uma crise de mediação que vem crescendo nos últimos anos, aponta o jornalista Bruno Torturra. "Há uma destruição de instituições e atores [tradicionalmente] responsáveis pela construção do discurso político. As pessoas que foram para as ruas derrubar a Dilma agora estão indo para cima dos mesmos poderes que afastaram a presidenta. Junto há um desprezo crescente pela imprensa, que é outra instituição responsável por mediar o discurso político", afirma. Os atos pró-Governo do último domingo, diz Torturra, revelam a consolidação de Bolsonaro como um fenômeno político relevante, que emergiu distante da estética política observada no Brasil nos últimos 30 anos. Para o jornalista, o bolsonarismo não está ainda na versão final, mas evolui a olhos nus. "Esse movimento começou sem o Bolsonaro. O presidente não o provocou, mas o representou. Foi a pessoa certa pra que esse movimento achasse um eixo", afirma.

As manifestações do último domingo demonstraram que se antes os grupos que passaram a se aglutinar em torno de Bolsonaro não tinham identidade política clara, agora passam a apresentar um viés ideológico mais consolidado. Uma pesquisa realizada pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para Acesso à Informação da Universidade de São Paulo, identificou forte identificação política no perfil dos manifestantes. Das 436 pessoas entrevistadas no ato da Avenida Paulista para o estudo, 76% se disseram de direita, 72% muito conservadores, 68% nada feministas e 88% muito antipetistas. Uma posição diferente daquela observada pelo mesmo grupo de pesquisa durante as eleições do ano passado.

"O fenômeno bolsonarista não é mais só antipetista nem eleitoral, mas de um campo com uma identidade política muito forte. Antes [nos atos pró-Bolsonaro durante as eleições], as pessoas não se definiam como de direita nem conservadoras, mas agora sim", diz Pablo Ortellado, que coordenou o estudo juntamente com os pesquisadores Ana Luiza Aguiar e Marcio Moretto. Ortellado ainda acrescenta que o bolsonarismo está conseguindo se consolidar para além dos movimentos tradicionais, como por exemplo o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua, que chegaram a apoiar o presidente, mas não aderiram aos protestos. O estudo mostra ainda a baixa confiança dos manifestantes em relação ao MBL (66%) e à grande imprensa (mais de 90% disseram não confiar em veículos como a Folha de São Paulo e Rede Globo).

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