Trata-se de uma boa dose de desconexão da realidade que marcou os três meses inaugurais de seu mandato. O empacotamento de medidas tão díspares, no entanto, trai as palavras do presidente e evidencia uma ansiedade generalizada de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas bestas e inexperiência da equipe —a começar do comandante.
Entre as medidas relevantes estão o projeto que dá autonomia ao Banco Central, o acordo de cessão onerosa com a Petrobras, a uniformização de regras para nomeações de dirigentes de bancos públicos com as exigências que já vigoram para instituições privadas e o “revogaço” que vai limpar a burocracia estatal de uma série de normas já caducas.
São importantes porque estão em linha com promessas de campanha de destravar a economia, dando-lhe uma diretriz liberal e pró-investimento e porque sinalizam o caminho, também vendido como promessa por Bolsonaro, de profissionalizar a gestão pública.
Há aquelas medidas-pegadinha, que querem afetar grande importância quando não têm a mínima. Nesse rol estão a extinção de cargos que já estavam vazios e de conselhos criados pelo assembleismo petista que estavam desativados e —ao contrário do que podem pensar os bolsonaristas iludidos— não implicavam em jetom para os integrantes.
Há ainda as medidas que são meros “calhaus”, jargão jornalístico para uma notícia ou anúncio que você encaixa para tapar buraco numa página. Nesse grupo estão coisas exóticas como a uniformização do domínio “.gov” nos sites oficiais e a mudança na forma de tratamento nas comunicações oficiais.
E existem, por fim, anúncios que têm de ser analisados melhor porque podem significar retrocessos, como a lei que institui o ensino domiciliar, que deve gerar controvérsia com o STF, e a conversão de multas ambientais, que pode virar senha para um vale-tudo na área.
O fato é que a grande medida que se espera do governo são as reformas estruturantes. Bolsonaro falou na Previdência e prometeu empenho —que, diga-se, vem dedicando em doses maiores nas últimas semanas. Mas urge profissionalizar o acompanhamento de votos na Câmara dos Deputados, planilhando os apoios, monitorando as bancadas e se antecipando às tentativas, que virão, de desidratar o texto.
A reforma, por ora, não navega em mar de brigadeiro. Para piorar as marolas, o secretário da Receita, Marcos Cintra, tratou de jogar um arremedo de CPMF na praça ao antecipar o esboço da reforma tributária.
Claro que a Previdência não será o único projeto de todo o governo, e é compreensível a necessidade de marcar a efeméride dos cem dias com algo propositivo depois de tanta crise. Mas ou o governo volta sua energia para colocar a proposta em marcha de uma vez —até agora ela patina numa CCJ circense — ou não haverá pacote que ajude a melhorar a avaliação periclitante que Bolsonaro tenta negar.
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