segunda-feira, 15 de abril de 2019

A roupa nova do patrimonialismo

Em 2018, Ibaneis Rocha surfou a onda da nova política no Distrito Federal. Novato nas urnas, ele prometeu abrir mão de mordomias e doar o salário de governador para instituições de caridade. Largou em último lugar e chegou em primeiro, com quase 70% dos votos.

Na terça-feira, o emedebista tomou uma medida contrária ao discurso de campanha. Por decreto, criou uma “carteira de identidade funcional”, válida em todo o país.

O documento será destinado a um público exclusivo: o governador, o vice, os secretários e os presidentes de autarquias distritais. Eles também ganharam o direito de emitir carteiras para cônjuges e parentes em linha reta até 2º grau. A regra uniu netos, filhos, pais e avós de políticos numa grande comunidade da carteirada.


Ao ser criticado pela imprensa local, Ibaneis reagiu com irritação. “Querem que eu ande com meu diploma de governador eleito debaixo do braço? É muita faltado quefazer ”, reclamou. Ele alegou que seus descendentes também teriam se tornado “figuras públicas”. “Meus filhos têm direito à mesma segurança e deferência que eu”, disse.

Na quinta-feira, o Ministério Público foi à Justiça para derrubar o decreto. Contrariado, o governador teve que recuar. Manteve a carteira para os políticos, mas retirou a regalia dos parentes.

Na disputa por uma cadeira no Senado, o empresário Eduardo Girão se apresentou como um defensor da família. Ao assumir o mandato, resolveu começar pela própria. Ele foi o estreante que mais requisitou passaportes diplomáticos.

Além de pedir um para uso pessoal, incluiu na lista amulhere duas filhas. O passaporte vermelho facilita a concessão de vistos e dá direito a furar fila nos aeroportos. Um auxílio luxuoso para quem mantém casa na Flórida e pede votos no Ceará. Depois que O GLOBO revelou o caso, Girão desistiu do pedido.

Jair Bolsonaro passou 28 anos no Congresso, mas se apresentou como outsider para chegar à Presidência. Na segunda-feira, ele ironizou os conselhos para reduzira influência do filho Carlos nas decisões do governo.

“Ah, o pitbull tá te atrapalhando. Atrapalhando em quê? Ele não me atrapalhou em nada. Eu acho até que ele deveria ter um cargo de ministro. Foi ele que me botou aqui”, afirmou.

Autoproclamado filósofo, Olavo de Carvalho foi promovido de piada a eminência parda do governo. Em entrevista, ele deu uma sugestão mais ousada a Bolsonaro. Disse que ele deveria dar um ministério para cada filho, incluindo na mamata o Zero Ume o Zero Três. “Olha que ele segue o seu conselho, hein?”, provocou o jornalista Pedro Bial. “Tomara que siga!”, respondeu o guru do bolsonarismo.

A confusão entre público e privado é um traço antigo das autoridades brasileiras. “É possível acompanhar, ao longo da nossa história, o predomínio constante das vontades particulares”, escreveu Sérgio Buarque de Holanda em “Raízes do Brasil”. Em 1936, ele condenava a visão do Estado como uma extensão dos círculos familiares. Depois de oito décadas, o velho patrimonialismo persiste. Agora fantasiado de nova política.

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